sábado, 19 de novembro de 2011

Esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita... Marcha!

Peço aos leitores das diversas posições políticas que, ao ler esse texto, tenham paciência comigo e considerem a argumentação seriamente. Não leiam a palavra “esquerda” ali, ou “liberal” e saiam correndo.

Eu me considero “de esquerda”, todavia de uma esquerda mais no sentido norte-americano do termo: “liberal de esquerda”. Acredito que as liberdades individuais (algo tão caro aos liberais) são uma conquista que não devemos, e nem queremos, abrir mão. Mas essa conquista não pode prescindir da noção de Justiça Social. Acredito no Welfare State .  Mesmo assim, isso não quer dizer que eu compre, incondicionalmente, todas as brigas dos “liberais de esquerda”. Há boas críticas feitas pelos comunitaristas, por exemplo, que atacam o que o liberalismo nos trouxe de pior: o tal do individualismo. Também não quer dizer que, apresentado a outras perspectivas, eu não venha a considerar que o Estado de Bem-estar social, em contextos diferentes, possa se tornar uma grande bosta, fracassar. Isso porque, antes de tudo, eu sou um iniciante na filosofia pragmatista. Levo muito a sério Richard Rorty quando esse argumenta que a filosofia não pode se pretender fundacionanista, e que a democracia, como “projeto” político, não precisa estar fundamentada pela filosofia, pode ser uma noção contingente de um mundo melhor, inclusivo. Além disso, há algo na esquerda que simpatizo muito: a transformação social. Mas, há algo também no conservadorismo de Durkheim e Toqcueville, que não quero deixar de lado: a de que as transformações sociais são graduais, “orgânicas”, e não frutos da revolução.

O que vou defender aqui nesse texto é que o debate político brasileiro, conforme ele se dá na academia, ou nas ruas, dificilmente abre espaço para pessoas como eu. Por quê? Porque é um debate que dificilmente consegue escapar de encaixar os discursos na caixinha ou dos “comunistas”, ou dos “fascistas”. Claro, eu não falei que me considero “de esquerda” à toa.  Considero que a divisão do espectro político em direita e esquerda ainda funciona, pois nos diz alguma coisa sobre os pensamentos e discursos políticos. Entretanto, um enorme problema surge quando levamos a sério demais essas categorias, esquecendo que elas são como os tipos ideais weberianos, que não se encontram de forma pura na realidade e por isso a complexidade a ser considerada no debate político conforme as pessoas o fazem em seu cotidiano é muito maior, e começamos a tomá-las de maneira maniqueísta (bom e mau). É nesse momento que as categorias, as caixinhas que criamos somente para poder compreender melhor como se dá a coisa, tornam-se mecanismos para taxar pessoas de “comunistas” ou “fascistas”.

Qual o problema da “taxação”? Ela tem como consequência as estigmatizações. E o estigma, aquela imagem que imputamos ao outro, faz nada mais, nada menos que tornar o outro invisível, já que a imagem que fazemos dele é o próprio estigma que jogamos sobre ele. Nesse momento, se joguei sobre o outro o estigma do “comunista”, ou do “fascista”, como se ser “de esquerda” ou “ser conservador” fosse necessariamente ser incondicionalmente bom ou mau, o que fiz também, por tabela, foi algo que a democracia, que é inclusiva e tem o diálogo como característica inerente, não pode admitir: inviabilizei o próprio diálogo. Cito exemplos.

Tema do aborto: No ano passado, a esquerda (categoria, eim!) argumentou em favor da descriminalização do aborto tendo-se em vista a questão da saúde pública e da liberadade da mulher sobre o próprio corpo. Houve um contra-argumento da direita que foi o seguinte: a esquerda sempre teve como debate a questão dos direitos fundamentais. Ora, e o direito fundamental à vida? Como determinar se um feto é vida ou não? Pelo desenvolvimento de certos órgãos? Nós acreditamos que a vida começa na concepção e, por isso, o feto não é uma extensão do corpo da mulher, mas uma vida, e o aborto, então, é crime". A esquerda levou em consideração isso? Não que eu lembre. Somente ficou ridicularizando as posições religiosas. A mesma coisa ocorreu com o debate do crime de ódio ao homossexual. Um argumento muito peculiar veio da direita, o qual não podemos ignorar: "um 'crime de ódio', ou o assassinato de um homossexual, é um homicídio como qualquer outro, baseado na premissa de que todos são iguais perante a lei". Eu discordo disso, mas pra isso eu tenho que dialogar, contra-argumentar. Chamá-los de “fascistas”, tornando-os invisíveis, a meu ver, quando um argumento desse é colocado, é jogar antidemocraticamente.

Eu discordo da direita sobre o crime de ódio, mas para isso tenho que debater, pois o argumento não foi bobo. Menos bobo ainda foi o argumento relacionado à vida do feto, o qual me sinto inclinado a concordar. Mas, e aí? Tendo em vista essas questões, diante de uma audiência de “esquerda” ou “direita”, aqui no Brasil, eu estaria no limbo. Uma, em algum momento, me chamaria de “comunista”, e a outra, de “fascista”, sem ao menos levar em consideração que os argumentos são legítimos, racionais, e que numa democracia o diálogo é algo inerente. Sem diálogo, como podemos falar em democracia? Sem diálogo, o que há é a imposição de uma ou outra perspectiva, e isso conhecemos bem. Chama-se autoritarismo.

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Decidir certo é decidir bem

Certa vez, em uma dessas reflexões que surgem na timeline do Facebook, uma amiga postou uma citação de uma autora que não irei lembrar no momento, mas que poderia ser traduzida no seguinte sentido: nunca poderemos saber se uma decisão que tomamos foi certa, pois nunca podemos voltar no tempo para decidir novamente. Essa reflexão, a primeira vista, faz todo sentido, afinal, não podendo voltar no tempo para experimentar quais resultados eu obteria caso decidisse outra coisa numa determinada questão, estaria fadado a nunca ter a segurança de que optei certo. Todavia, é preciso ter dois cuidados com esse pensamento. O primeiro deles é mais teórico, já o segundo é mais prático.

O primeiro cuidado, o teórico, é que, pensando logicamente e centrando a atenção em um única escolha, não podemos saber (ter a segurança de 100%) a que outros caminhos me levariam uma outra decisão a respeito de determinada questão que resolvi no passado, assim como os bons historiadores sabem que é difícil imaginar como a história seria se um determinado fato histórico não tivesse ocorrido. Todavia, isso não quer dizer que não posso saber se a decisão que fiz foi certa. Por quê? Porque, antes de tudo, devemos pensar sobre o que queremos dizer por “decisão certa”. Imaginar que haja um caminho escrito nas estrelas que deveríamos seguir, apontando para uma única decisão certa a cada problema que tivermos, de maneira que poderíamos falar NA DECISAO CERTA (única) sempre, ao contrário de todas as outra que seriam as erradas, não me parece boa coisa.

Poderíamos, ao invés disso, dizer que uma decisão certa seria uma boa decisão. E o que é uma boa decisão? Uma decisão que, depois de tomada, rendeu bons efeitos práticos, ao estilo do pragmatismo. Ou seja, foi uma decisão certa porque funcionou, foi boa. Uma outra decisão poderia ter sido melhor ainda? Não tem problema, pois as duas, funcionando, seriam boas e, portanto, certas, caso seus efeitos práticos tenham sido positivos. Mas, para verificar os efeitos de uma decisão, ela precisa já ter sido tomada. Sendo assim, como faço para ponderar uma decisão certa, boa, antes de decidir? Aqui entra o segundo cuidado.

O segundo cuidado que devemos ter com o pensamento do primeiro paragrafo é mais prático. Digo isso porque, apesar de logicamente fazer sentido que não possamos averiguar os diversos resultados de uma decisão tomada caso ela fosse tomada diferentes formas, isso não significa que em nossas decisões diárias paremos por aí. Como já vimos, depois de tomada uma decisão, podemos avalia-la pelos seus efeitos práticos; mas, e antes de decidir, como eu pondero qual a melhor escolha?

Se fossemos levar a sério a reflexão postada por minha amiga, tomaríamos qualquer decisão, afinal, tanto faz, nunca saberíamos se ela foi “a certa” mesmo. Poderíamos até tentar abdicar de decidir, coisa que Sartre nos avisou que é impossível.  Porém, sendo a decisão certa aquela que funciona e é boa, antes de tomarmos qualquer decisão o que fazemos na prática é utilizarmos da nossa intuição, imaginação e razão para optar e, somada a isso, temos nossa própria experiência de vida, nossa jurisprudência, por assim dizer; um leque de escolhas passadas que já fizemos e avaliamos, que servem de base para nossas escolhas futuras .

Em outras palavras, não podemos voltar no tempo para avaliar uma determinada decisão com relação a outras opções que tomaríamos nessa mesma decisão; mas podemos sim buscar um passado de decisões para projetar um futuro que nos ajude a optar e, tendo optado, saber se uma decisão foi certa avaliando seus efeitos.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Quebrando o tabu abraçando Kant e Sartre


“Declarar guerra às drogas é declarar guerra às pessoas”. A fala de Ruth Dreifuss, presidente da confederação da Suíça em 1999, no recente documentário Quebrando o Tabu, resume o principal motivo pelo qual a chamada guerra às drogas, iniciada pelos EUA em 1971, não deu certo. Qualquer política de guerra e repressão já implementada cujo objetivo seja resolver o complexo problema das drogas, em diversos países, resultou numa relação custo/benefício baixa; muitos investimentos e violência para poucos resultados.

Diante dessa realidade, estão em marcha, já em nossa década, diversos movimentos que, seja lutando pela legalização da maconha, seja protestando pela descriminalização do usuário de drogas em geral, têm como fundamento uma conclusão que a cada dia fica mais difícil se ser refutada, até mesmo por quem há pouco tempo atrás marcava presença no front de batalha: a guerra às drogas fracassou e precisamos de alternativas.

Já muito interessado por esse assunto, assim que apareceu na timeline de meu perfil no Facebook que esse documentário poderia ser visto de graça através do site do Terra, repassei a notícia e corri para assisti-lo. Produzido por Luciano Huck e tendo como protagonista o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,  Quebrando o Tabu me surpreendeu. Tal surpreendimento veio não simplesmente porque o documentário falava o que eu queria ouvir (afinal, eu já sabia do que se tratava e já compartilhava de muitas das opiniões do documentário), mas sim porque ele me disse mais do que eu queria ouvir: além de muito bem produzido, o filme foi munido de bons argumentos e ampliou o meu entendimento a respeito da questão. Sempre cuidadoso e pragmático, Quebrando o Tabu busca explicações e alternativas sensatas, aplicáveis, baseadas em experiências concretas de vários países e depoimentos de quem já não leva a questão como tabu. Mais do que isso, pensa em soluções que não caem na bipolaridade ingênua do “vamos repreender total” contra o “vamos liberar geral”.

Nesse texto, não falarei muito mais sobre o documentário, afinal, ele é recente e recomendo ao leitor que o assista. Não quero adiantar muita coisa e acabar por estragá-lo. O que é preciso saber do documentário daqui para frente é que ele não propõe uma solução definitiva para o problema das drogas, todavia, é importante que as alternativas propostas tenham como fundo não a guerra, mas sim a paz. O filme apresenta boas alternativas já realizadas em países como a Holanda e a Suiça. Além disso, existe algo no documentário que, a meu ver, é fundamental para todas as alternativas propostas: uma aposta na noção de sujeito moderno e liberdade.

Em meados do século XVIII Kant nos deu o modelo de subjetividade moderna com o sujeito transcendental, que é o sujeito racional, consciente e responsável pelos seus atos. Apesar das críticas à metafísica na filosofia contemporânea, não abandonamos essa noção de sujeito. No direito, por exemplo, devemos considerar que cada um de nós é dotado de racionalidade e, consciente de nossos atos, devemos nos responsabilizar por cada um deles. Se assim não fosse, nunca poderíamos ser condenados por crime algum visto que, ao assaltar um banco, por exemplo, sempre poderíamos argumentar que não somos conscientes daquilo que fazemos.

Essa noção de responsabilidade aliada ao sujeito também pode ser vista, de um aspecto um pouco diferente, em Sartre, quando a filosofia pós-kantiana busca resolver a questão da relação entre sujeito e objeto. O projeto sartriano, por se manter fiel a uma parcela da fenomenologia de Husserl (a de que a consciência não é um ser, mas sim um movimento, dotado de intencionalidade), concebeu que a consciência é nada, ou seja, não possui uma essência, mas é sempre um projeto, um movimento em direção ao ser. Isso significa dizer que nós, seres humanos, não possuímos uma essência que nos diga quem somos; ao invés disso, somos um projeto sempre inacabado, um “para si”, um movimento. Antes existimos do que somos e, por isso, sua filosofia é chamada de existencialismo. O ser humano, então, existe e, ao longo da sua vida, vai construindo sua essência a partir de um movimento, um “para si” que o coloca sempre em busca do ser. Mas que movimento é esse? A liberdade.

A liberdade para Sartre, então, é esse movimento em direção ao ser a que estamos condenados. Nossa liberdade é exercida sempre que, diante de uma escolha, temos que optar, decidir, e disso não podemos nos abster. Mesmo quando pensamos não decidir, o que estamos fazendo é decidir fugir da decisão. Justamente por isso, não podemos também abdicar da responsabilidade sobre nossas decisões. Mas e aí? Não existe repressão? Não existe uma limitação de opções imposta pela sociedade e pela moralidade, por exemplo? Existe. Todavia, ainda assim podemos decidir nos livrarmos das amarras exteriores e de maneira alguma responsabilizar a sociedade, as estruturas, o “sistema” ou o inconsciente por nossas decisões. Podemos ter diante de nós escolhas muito difíceis, mas ainda sim serão escolhas. Para Sartre, o importante não é o que fazem de nós, mas sim “aquilo que fazemos com o que fizeram de nós”.

Tendo tanto a noção de sujeito em Kant, como também a noção de liberdade em Sartre, em mãos, chegamos à conclusão de que, sendo seres dotados de razão, sempre teremos que optar e podemos, apesar de tudo, fazer boas opções quando elas nos são dadas. É aqui que o documentário Quebrando o Tabu, ao meu ver, aposta suas fichas. Criar políticas de proibição total de uso às drogas significa apelar para uma essência humana que é errante. Significa dizer: “já que o ser humano inevitavelmente usa drogas, a solução é proibir de vez, extinguir as opções”. Essa solução, com relação às drogas, não funcionou. Sendo assim, a pergunta de um entrevistado no documentário é boa: "Se não conseguimos acabar com as drogas dentro de uma prisão de segurança máxima, como podemos acabar com elas é uma sociedade livre?". E a resposta talvez seja: permitindo e ampliando próprio exercício da liberdade.

Por que, ao invés de guerra, não podemos fazer como na Holanda e Suiça, e dar um voto de confiança na racionalidade das pessoas quando oferecemos para elas opções melhores? Ao invés de tentar zerar as opções, proibindo as drogas, e fazendo com que a pessoa opte por compra-la ilegalmente, por que não oferecer aos usuários opções mais seguras, reguladas e controladas, de maneira que eles possam optar usar drogas sem ferir a liberdade alheia e de maneira legal? Não é isso que fazemos com o cigarro e estamos começando a fazer com o álcool, drogas que, em determinada perspectivas, são mais nocivas ao individuo, ou mesmo socialmente, do que a maconha, por exemplo? Ao invés de proibir, não podemos informar e educar, de maneira a deixar a opção de usar, ou não usar, drogas, para o individuo, regrando o uso como fazemos para o cigarro? Não obteríamos um melhor controle social caso, através das leis e políticas, regrássemos a produção, distribuição e uso de drogas, ao invés de simplesmente proibi-las, deixando com que o traficante crie suas próprias regras? Por que considerar o usuário um criminoso quando  ser considerado um doente em outros países tem trazido melhores resultados? 

Todas essas são perguntas e alternativas que em determinados contextos tem trazido bons resultados e funcionam justamente porque apostam na racionalidade e na liberdade das pessoas, buscando ampliar as opções que o individuo tem, deixando-o optar ao invés de restringir-lhe as opções. A solução, portanto, talvez não seja tratar as pessoas como se estivessem num presidio de segurança máxima, cerceando suas opções, mas sim ampliando as opções disponíveis e permitindo que elas exerçam o que lhes é próprio: a liberdade e a racionalidade.

Sendo racionais e podendo ponderar quais são as melhores opções quando as temos em mãos, parte significativa dos indivíduos ou tem optado por não utilizar drogas, mesmo que estas estejam disponíveis legalmente (por causa da educação e informação de que as drogas são nocivas), ou optado por utiliza-las, mas dentro dos limites da lei, que restringem o uso a determinada idade, local, quantidade e etc, visto que essa é, na maioria das vezes, a melhor opção para ele.

Alguns podem argumentar que apostar nessas fichas em nosso país, onde a educação é uma lástima, é perigoso. Pode ser, mas a flecha foi atirada e não tem volta. O documentário de FHC, depois de vários documentários e marchas a respeito da descriminalização da maconha, e mesmo sua legalização, é um sinal claro disso.  Estamos chegando ao ponto de decisão onde teremos que exercer nossa liberdade e escolher se ficamos com a guerra às drogas (o que por jurisprudência tem nos mostrado que é uma péssima opção), ou buscamos outras soluções. Não podemos mais escapar dessa decisão. Essa é nossa condenação.

sábado, 10 de setembro de 2011

O agnóstico teísta e o ateu agnóstico

Não faz muito tempo que uma parcela significativa de jovens que conheço começaram a responder às perguntas como “Qual a sua religião? Você acredita em Deus?” da seguinte maneira: não tenho religião, sou agnóstico. Com isso, queríamos dizer duas coisas: ou que acredito em Deus mas não sigo uma doutrina, ou que sou incapaz de dizer se Deus existe ou não. Essas duas formas de se utilizar do termo agnóstico são mais ou menos corretas. Digo isso porque elas podem ser  de uma pessoa cuja posição é o agnosticismo, todavia, a primeira não é uma característica necessária do agnóstico, e a segunda nada diz sobre a posição teológica do questionado. Explico melhor adiante.

Em busca de uma exposição a respeito da relação entre crença e ateísmo (O ateísmo é uma crença?), encontrei uma série de bons trabalhos, incluindo um ótimo texto, bem argumentado, que me mostrou não só que o ateísmo é antes uma não-crença que uma crença, como também circunscreve uma definição de ateísmo relacionado à crença. Farei um resumo aqui da maneira mais simples possível.

Desde Platão, a noção de conhecimento ficou conhecida como uma “crença verdadeira e justificada”. Isso significa que para dizermos que acreditamos numa coisa, basta tendermos a aceitar aquela coisa como verdade; porém, para dizer que sabemos algo, ou seja, que conhecemos, essa nossa crença deve ser justificada. Com o advento da lógica aristotélica, foi possível relacionar as crenças não com coisas, mas sim com proposições (pensamento expresso na forma declarativa, afirmações na forma de sujeito e predicado).

Sendo assim, se eu digo “A chuva é fria”, temos aí uma proposição, algo que declara antes um pensamento meu que a realidade em si da chuva. A crença é “estado mental disposicional, que tem como conteúdo uma proposição, verdadeira ou falsa”. Ou seja, além de conter uma proposição (uma expressão declarativa de um pensamento) a crença é disposicional (uma disposição a aceitar como verdade uma proposição).

Nesse contexto, o ateísmo, no fim das contas, se mostra antes uma rejeição da proposição “Deus existe”, do que a disposição a aceitar como verdade (crença) a proposição “Deus não existe”. Em outras palavras, o que define o ateísmo é simplesmente a não crença em divindades, sendo que isso não necessariamente implica na crença na não existência de divindades. Isso é um tanto complicado de se entender a principio. A divisão entre ateus fracos e fortes, criada e utilizada por alguns autores ateístas, nos ajuda a esclarecer a questão.

O ateu forte seria aquele que além de rejeitar a proposição “Deus existe”, aceita a proposição “Deus não existe”. Ou seja, esse é um ateu que crê na não existência de Deus, justificando tal crença através da falta de evidências, por exemplo. Para ele, a ausência de evidências é a evidência da ausência. O ateu forte parece ser minoria entre os ateus. Para ser ateu, basta ser um ateu fraco.

O ateu fraco é aquele que simplesmente não acredita na existência de Deus, tem uma não-crença e rejeita a proposição “Deus existe”; porém, se colocarmos perante ele a proposição “Deus não existe”, ele também irá rejeitá-la. Alguns ficarão confusos aqui. Como ele pode rejeitar que Deus existe e Deus não existe? Rejeitar uma não implica em aceitar a outra? Não. Isso porque, novamente, a crença se relaciona com proposições e não com coisas.

Se alguém diz para mim “Seu primo é gordo” e eu rejeito, e esse mesmo alguém diz “Então, seu primo é magro”, eu posso rejeitar também porque, afinal de contas, eu posso não conhecer meu primo. Isso não significa que meu primo não existe. Ele pode existir e ser gordo, mas como não o conheço, nada posso afirmar de conhecimento sobre ele.

Para ser ateu, então, basta rejeitar a proposição “Deus existe” (pode-se falar também em rejeitar a existência divindades). Para além disso, caso alguém aceite a proposição “Deus não existe”, esse será um ateu forte, mas caso rejeite qualquer outra proposição sobre Deus, será um ateu fraco. Portanto, o ateu fraco é aquele que nada afirma sobre Deus, enquanto o ateu forte crê na não existência de Deus.

Mas, o ateu fraco não é o agnóstico? Não necessariamente. O que difere aqui é o referencial da posição. Teísta e ateísta são posições teológicas, enquanto o agnosticismo é uma posição epistemológica (do conhecimento). Ou seja, teologicamente falando, ou você é ateu ou não é. Não existe um meio termo aí chamado “agnóstico”.

O agnóstico, do ponto de vista do conhecimento, crê que a razão é incapaz de conhecer as divindades. Isso torna a resposta “agnóstico” insuficiente para a pergunta “Você acredita em Deus?”, pois o agnóstico pode tanto ser teísta, como um ateu fraco. Um agnóstico crê que nossa razão é incapaz de conhecer Deus, por isso, ele pode tanto encontrar motivos para crer em Deus pela fé (teísta), como pode, crendo que nossa razão não pode conhecer Deus, nada afirmar sobre ele, rejeitando qualquer proposição a respeito de Deus e achando a fé insuficiente para sustentar sua crença (ateu fraco).

Trocando em miúdos, eu diria que se você não está nem aí para Deus e sua existência, como não está nem aí para o Papai Noel, sem abrir mão de que se um dia ele aparecer você o aceite, você é ateu. Ser agnóstico aqui apenas significa que essa ideia de Deus fica em suspeita. Pode até ser que ele exista, mas pode ser também que não seja possível conhecê-lo e, portanto, como creio no que posso conhecer, rejeito a proposição "Deus existe". Porém, pode-se ser um agnóstico que crê em Deus: isso significa que eu dispensaria a razão como forma de conhecer Deus, mas Deus poderia ser conhecido pela Fé, como Pascal diria, por exemplo.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Chico Buarque e o amor não correspondido

Quando se fala em Chico Buarque, há aqueles que reverenciam antes o Chico “político”, do protesto contra ditatura militar, do que qualquer outro Chico. Digo isso porque quando falamos no carioca dos olhos azuis que fez tanto sucesso com Roda Gigante, podemos falar em um músico que não foi um só. A compilação 50 anos de Chico Buarque nos mostra isso quando divide, com perspicácia, a obra do músico em cinco cd’s: o trovador, o político, o cronista, o malandro e o amante.

Não posso deixar de atribuir certa genialidade a qualquer um desses cinco Chicos. Todavia, se me perguntarem com qual me identifico mais, direi que é o Chico que fala de amor. Mas não é qualquer amor. Não é nem philia, nem ágape. Não é, por exemplo, o Chico Buarque do Meu guri, que fala, entre outras coisas, de um amor maternal incondicional a ponto da cegueira; mas sim o Chico amante, que fala de eros, do amor romântico. Nesse tema, o músico carioca é capaz tanto de fazer poesias românticas de reverencia a uma amante, por exemplo, quanto falar de amores não correspondidos.

Uma das músicas que tratarei aqui no texto infelizmente não faz parte da coletânea anteriormente citada. Chama-se Futuros Amantes e é uma canção sobre um amor não correspondido. Apesar do carioca de olhos azuis fazer sucesso com as mulheres até hoje, defendo que somente tendo amores não correspondidos que o filho do Sérgio Buarque de Holanda seria capaz de realizar interpretações como Quem te viu quem te vê e Olhos nos olhos. São canções sobre eu-líricos que foram deixados, rejeitados pela pessoa amada. Somente quem um dia nessa vida passou por uma rejeição dessas é capaz de se identificar tanto com essas músicas, e não há nada de errado nisso. Penso que em grande parte das separações há aquele que não ama mais e pede a separação, e há aquele que ainda ama, mas finge que não ama para “sair por cima” (uma grande bobagem que fazemos tipo “quem termina primeiro” mostra isso, como se doesse menos ainda amar e terminar primeiro). Essas são canções onde a pessoa deixada deseja que a outra a contemple no futuro mais próximo possível, seja para a outra ver como ela, a deixada, está feliz sem a outra, seja para que a outra não dê na vista a saudade que pode surgir da deixada.

Futuros amantes é também sobre um amor não correspondido, mas não propriamente sobre um futuro próximo à rejeição, onde teremos que lidar com o fato de que a pessoa pela qual nos apaixonamos não nos quer, nos deixou e queremos que ela nos veja sem ela. Essa canção é sobre um futuro distante, onde o amor não correspondido pode ainda se realizar. A música que se passa em um Rio de Janeiro submerso, distante no tempo. Lá, os mergulhadores que exploram a cidade submersa descobrem fragmentos de cartas e poemas, fragmentos do amor deixado pelo eu-lírico. Mesmo que esse amor não tenha sido correspondido no passado, o que importa é como ele será ressignificado no futuro.

A história construída pela civilização futura a partir desses fragmentos poderá fechar o ciclo desse amor. Os escafandristas (mergulhadores em suas roupas especiais) levarão tais fragmentos à superfície e lá eles serão lidos, estudados e interpretados de diversas formas. Poderão, inclusive, serem ressignificados de maneira que a partir desses fragmentos os futuros homens darão sentido a esse amor. Outros amantes se utilizarão dele e, independente do fato de ele não ter se realizado no passado, cumprirá sua função no futuro, se realizando como amor.

Uma das maneiras de lidarmos com o medo da certeza de nossa morte é nos utilizando de narrativas onde a vida continua após a morte, onde nosso espírito é imortal. Penso que Futuros Amantes seja uma música que dá ao amor um aspecto imortal, e é justamente essa a beleza de um amor que não pode morrer. Mesmo que ele já tenha nascido e morrido, ele poderá ressuscitar num futuro distante. Quer melhor terapia para um amor morto do que saber que ele sempre terá a possibilidade de se realizar? Aqui vai um trecho da música para aqueles que sinceramente amam, ou amaram, e não foram correspondidos:

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar 

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Da mulher pura ao macho alfa

Em post anterior, dediquei atenção a critica do que chamei de “noção de mulher pura”. Em suma, falei sobre o papel que se cobra de uma mulher para que ela seja reconhecida como mulher ideal perante nossa sociedade. Tal papel foi muito mais forte no passado, todavia, hoje, ainda é possível ver pessoas, principalmente homens, cobrando tal papel das mulheres. Esse papel, que é construído socialmente, é naturalizado e, dessa forma, começamos a acreditar que aquilo que nós mesmos criamos como figura da mulher ideal é a essência da mulher. Por mais que nós, homens, hoje, possamos ver todos os dias que tal coisa quase não existe na realidade, até não desejando uma mulher assim, ficamos reproduzindo resquícios desse discurso de pureza. Um exemplo é quando dizemos: “Ah, aquela mulher é perfeita: madame na sociedade e puta na cama”. O que isso quer dizer? Quer dizer que tal mulher cumpre o papel cobrado perante a sociedade, de mulher pura, mas na cama ela não é a mulher pura, até porque nós, homens, não desejamos isso.

O papel ideal que construímos para a mulher pré-feminismo é o da “mulher pura”. Mulher ideal é mulher submissa, ingênua, virgem, reservada, sem nenhum traço de malícia ou sexualidade, intocada, tímida e etc. Algumas leitoras não conseguiram entender muito bem onde eu quis chegar, afirmando que eu estava condenando as mulheres puras que existem por aí, mesmo que sejam poucas. Não se trata disso, mas sim de criticar o ideal, o papel cobrado. Uma coisa é a mulher ser pura (e ela tem esse direito!), outra é ela não ser pura (maioria dos casos), mas ser cobrada para que seja. Se essa coisa de “mulher pura” quase não existe e, pior, só serve para submeter a mulher, pra que continuar com essa babaquice? É um ideal que nunca nos levou, e continuará não levando, para bons caminhos.

Podemos observar que (graças a Deus!) o feminismo acabou por questionar essa “essência” da mulher, esse papel ideal que construímos e cobramos das mulheres por muito tempo. Claro que, no frigir dos ovos, alguns feminismos foram por um caminho estranho, afirmando que se a mulher não tinha que cumprir o papel ideal de mulher pura (submissa), deveria na verdade cumprir o papel de homem e, então, deixar crescer pelos nas axilas e de maneira nenhuma se portar como objeto sexual. O feminismo inteligente trilhou por outros caminhos, que podemos observar por exemplo na recente “Marcha das Vadias: pelo direito de ser sexy”. Ora, qual o principal apelo desse movimento? Se as mulheres querem ser sexys, andar de saias e decotes, elas tem todo o direito de fazer isso e não serem culpadas por um eventual estupro. O criminoso é o estuprador, não a mulher sexy. O feminismo inteligente critica o ideal de “mulher pura”, mas não em favor de um ideal “mais correto”, nem mesmo dizendo que o certo é usar saia curta. O feminismo carrancudo, claro, não aceitaria a marcha das vadias e nem mesmo acha que uma mulher deva ser objeto sexual em nenhuma circunstância. Mulheres normais dão risada disso. Elas sabem que entre quatro paredes vale tudo desde que os que estão na sala concordem.

Muito recentemente, entrei em contato com um texto chamado Homens em Crise Emocional, do psiquiatra Claudio Pucci, disponível aqui. O psiquiatra e psicanalista nos mostra como os homens estão sendo cobrados para serem mais do que eles são, ou o que eles já não são. São cobrados para serem “alfas” (ser o macho excepcional, promíscuo, com desempenho sexual impecável, chefão). Esse texto me fez notar uma coisa muito interessante. Enquanto o papel de mulher pura foi criticado pelo feminismo e sofreu alterações as mais diversas, o papel (lembre-se que estamos falando em papéis, ideais construídos que não necessariamente correspondem com a realidade) do homem provavelmente não se modificou. Homem que é homem é o machão, macho alfa, aquele que manda, o chefe, que não liga pra nada. Tanto isso é verdade que as recentes, e não tão mais famosas, escolas de sedução, que renderam muito dinheiro a seus donos, pretendiam, através das experiências arrecadadas nas baladas, ensinar os homens como atrair mulheres ensinando-os como serem “alfas”.

O grande problema aqui é que assim como o papel de mulher pura não corresponde à realidade das mulheres, já hoje, após o feminismo, o papel do macho alfa está em crise. Se a essência do homem era ser alfa, e isso funcionava muito bem séculos atrás, quando o papel da mulher era ser pura, hoje, com a marcha das vadias, mulheres em cargos de diretoria e homens tendo que ser “donos-de-casa”, o resultado é homens em crise, com problemas psicológicos, de ereção e tendo que pagar terapeutas. Isso significa que as mulheres deviam recuar e voltar a serem "puras", deixando o homem ser o "alfa"? Não. Significa que os homens devem, agora, aceitarem serem os submissos por essência? Também não. Na verdade, significa que deveríamos,  homens e mulheres, esquecer um pouco os ideais e seus "devem ser" e começar a nos abrirmos para novas ressignificações a respeito do que seja o homem ou a mulher.

Ora, o que aprendemos com tudo isso é que essencializar o homem ou a mulher não é boa coisa. Não existe tal coisa como “o homem é isso” e “a mulher aquilo”. Quando fazemos isso, entramos no campo do “deve ser”, ou seja, no campo da cobrança: o homem de verdade deve (ou não deve) ser alfa e a mulher de verdade deve (ou não deve) ser pura. Claro que, se fizermos uma pesquisa, provavelmente teremos algum consenso em cima do que a mulher acha que o homem deveria ser e vice-e-versa; mas isso não significa que há essência do homem, pois esse consenso é rompido de tempos em tempos e, além disso, possui muitas exceções. O que temos não são homens e mulheres homogêneos, mas sim comportamentos diferenciados e individualidades.

Cada um de nós é uma rede que vai sendo tecida ao longo de nossas vidas, construindo individualidades e comportamentos diversos. O que é importante é que homens e mulheres, após esse longo debate, não cobrem do sexo oposto, ou de si mesmos, o que eles não querem ser. Que, se for o caso, as mulheres tenham o direito de ser Bibi's (alfas, casando de vermelho) e os homens, Douglas (puros, casando de branco!).

sábado, 9 de julho de 2011

A verdade e os dois relativismos: o filosófico e o burro

“Contra fatos não há argumentos”. No livro Convite à Filosofia, Marilena Chaui é muito feliz ao esclarecer que a filosofia se ocupa também com os pressupostos. O que está pressuposto na frase que inicia esse texto? Está pressuposto que fatos existem, que esses são uma manifestação da realidade, verdadeira, são evidentes por si mesmo e, portanto, sobrevivem a qualquer argumentação. O que a filosofia se pergunta aí, levando em consideração as noções de realidade, verdade e sujeito, é: será que os fatos são tão evidentes assim? Os fatos são “mais verdadeiros” por quê? Como podemos chamar um fenômeno de fato? Se todo fato se apresenta a um sujeito como objeto, então todo fato precisa ser interpretado, precisa de um sentido que lhe seja atribuído pelo sujeito e, portanto, não pode ser tão evidente quanto parece.

Tal ideia, dos fatos como manifestação da Verdade (com v maiúsculo), de certa forma, é um resquício do positivismo, pensamento para o qual a ciência, em sua dimensão empírica, apontaria a verdade através dos fatos observáveis. Começamos a perceber com melhor clareza essa perda de força da evidência dos fatos, como também o esfacelamento da verdade absoluta e única, com o advento da "pós-modernidade". Nietzsche, Marx e Freud acabaram por nos fazer perceber que tanto a noção de verdade, como de sujeito, iluminista, podiam ser bem questionadas e tais questionamentos se popularizaram no século passado. A partir daí, descemos do pedestal humanista e levantamos faixas e cartazes contra as verdades irrevogáveis, até mesmo da própria ciência e filosofia. Viramos amigos do relativismo filosófico afirmando que a verdade é verdade de um ponto-de-vista. Todavia, principalmente no senso comum, nos perdemos no meio do caminho. Começamos a dizer que a “verdade é relativa” ou “subjetiva” querendo dizer que cada um tem a sua verdade e pronto. Começamos a acreditar que as discussões não valem a pena, pois cada um “deve respeitar a verdade do outro”. No final das contas, o que deveria ser a nossa salvação de mais um mito a respeito da verdade, nos levou a outro mito e, no frigir dos ovos, nos tornou burros.

Duas pessoas começam a discutir política e, aí, uma delas diz: “Eu tenho minha opinião, você tem a sua, então respeite a minha que eu respeito a sua”. Uma terceira pessoa se intromete na discussão dizendo: “Religião, futebol e política não se discute”. O que todas essas pessoas estão dizendo é que não adianta ficar debatendo porque cada um tem a sua verdade, cada um acredita numa coisa e pronto.  Ora, é bem provável que todas essas pessoas estejam, nessa discussão, sendo burras. O que acontece no caso da “religião, futebol e política” é que, pelo fanatismo, muita gente é incapaz de sequer ouvir a argumentação do outro, se fixando em sua posição antes mesmo de qualquer debate e, por isso mesmo, reproduzindo a burrice. Pior do que isso, se utilizam, como o terceiro burro, de um relativismo rasteiro para terminar a discussão, dizendo que cada um tem a sua verdade e, por isso, não adianta discutir. Ora, não adianta debater com a burrice em qualquer tema, independente se é religião, política ou qualquer outra coisa. Com inteligência, se discute qualquer coisa. A filosofia sabe disso.

Há ainda dois outros exemplos do cotidiano que mostram como temos utilizado o "relativismo" para justificar nossa burrice. Uma delas é quando o aluno escreve uma resposta errada na prova e o professor lhe tira a nota. Aí o aluno diz que é uma questão de interpretação. O aluno argumenta que da perspectiva dele é daquele jeito e, portanto, não está errado. Além disso, circula no nosso cotidiano o discurso “mente aberta”. Com a ideia de que não existe uma verdade metafísica (única e absoluta), algumas pessoas acreditam que o certo é abrir a mente para tudo, até mesmo para a burrice. Mas, como diria o comediante cético: “Se você abrir muito a sua mente, seu cérebro pode cair”.

Afinal de contas, o que há de errado com os que acham que não adianta discutir política, com o aluno que justifica o seu erro falando de interpretação e com a pessoa que abre demais a mente dela? Essas pessoas entenderam a crítica pós-moderna de que não existe verdade metafísica, porém, não entenderam o relativismo filosófico, nem mesmo o perspectivismo de Nietzsche, que é mais próximo do relativismo do que da metafísica platônica. Nem mesmo aqueles que falam "mas aí vai cair no relativismo" entenderam também. Elas acham que como não existe verdade metafísica, então, a verdade é relativa a cada um e aí acabou. Não é somente assim que o relativismo filosófico pode ser compreendido. A filosofia contemporânea, de Nietzsche ao neopragmatismo, é perspectivista e, por isso mesmo, amiga de Protágoras; portanto, entende que a verdade é "relativa", é verdade segundo uma perspectiva. Todavia, a verdade não é relativa do tipo subjetiva, mas sim relativa a critérios e, sendo perspectivistas, entendem que há um critério maior no qual podemos avaliar as verdades. A filosofia contemporânea pode ler Protágoras da seguinte maneira: “O homem é a medida de todas as coisas”. O homem, ali, não é cada um dos homens, mas sim todos os homens. Nós, os homens, com nossa linguagem, com nossa comunicação e consenso, estabelecemos os critérios, os pressupostos.

Nietzsche concebia a verdade como um conjunto de metáforas desgastadas. “Tudo é interpretação”, escreveu Nietzsche, mas, no perspectivismo, diferentemente do que alguns concebem como relativismo, onde todas as interpretações tem o mesmo valor, a melhor interpretação é dada pela vontade de potência (Nietzsche) ou no âmbito da prática (pragmatismo). Há uma ótima exposição sobre isso aqui.

Por isso é possível se discutir qualquer coisa, contanto que os interlocutores estejam dispostos a debater e conheçam os critérios; por isso, o aluno que responde errado só poderá pedir uma revisão de questão com base nos critérios da prova e não nos critérios subjetivos dele mesmo, visto que na educação o que está em jogo não é a verdade, no sentido filosófico, mas sim o que o professor firmou como objetivo em termos de comportamento para o aluno; por isso, quem abre demais a mente está se esquecendo de que se a verdade existe e é relativa a critérios, então, o erro também existe e quem insiste nele não é “mente aberta”, mas sim burro, empacou, está fixo, não move o pensamento nem com as mais belas e racionais das argumentações. Pensar a verdade como relativa a critérios pode ser útil, pois nos permite debater, apontar erros e chegar num consenso, sem matar a discussão antes mesmo dela começar; por outro lado, o relativismo rasteiro, subjetivista, de senso comum, só serve para empacar o debate e seus participantes. Faz parte do repertório do burro.

É papel da filosofia pensar os pressupostos, ou seja, os critérios da verdade. Nem mesmo a matemática escapa disso. A geometria euclidiana trabalha com axiomas, o que permite a existência da geometria não euclidiana. Dois mais dois só são quatro porque os critérios da matemática básica assim determinam. Por isso, o aluno da primeira série não pode escrever na prova que dois mais dois são cinco e dizer ao professor que está certo segundo um outro tipo de cálculo, pois lá os critérios da matemática básica são claros. Por isso, um bom professor de álgebra linear que tive na faculdade de engenharia disse: “na matemática, as operações mais simples são as mais difíceis de provar”. Isso porque as operações mais simples estão cada vez mais próximas dos pressupostos, que são critérios e acabam ficando sem prova, são axiomáticos.

Em nossas conversas, no cotidiano, estamos toda hora lidando com a verdade e, portanto, com pressupostos, critérios e etc. A filosofia tem o importante papel de nos lembrar disso e, mais do que isso, nos dá instrumentos para identificar os pressupostos que utilizamos (não nos deixando tomar verdades como evidentes por si mesmas quando nos esquecemos disso) e refletir em cima delas.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Os extraterrestres e a burrice humana

Os céticos (do ceticismo cientifico e não estritamente filosófico) costumam chamar os conhecimentos que se dizem ciência, mas não possuem provas concretas, nem metodologias e argumentos rigorosos, de pseudociências. A chamada “Teoria dos Astronautas Antigos” é considerada, por alguns céticos, uma pseudociência. Todavia, apesar de não apresentar hard evidences, segundo alguns, fica difícil negar que a hipótese trabalhada pelos historiadores e arqueólogos filiados a essa teoria (se é que podemos chama-la mesmo de “teoria”), seja pura fantasia. Isso acontece porque as intepretações que eles fazem de relatos bíblicos, mitos greco-romanos e pinturas rupestres, apesar de soarem estranhas a muitos de nossos ouvidos, não deixam de ser uma possibilidade. O próprio defensor da “ciência como uma vela no escuro”, Carl Sagan, parece acreditar nessa hipótese: a hipótese de que nossos ancestrais recebiam visitas de ET’s.

É esquisito e soa até engraçado, mas os estudiosos dos astronautas antigos propõem uma inversão interessante. Ao invés de pensarmos que nossos antepassados, ao falarem de deuses, magias e máquinas voadoras, estavam fantasiando, ou falando metaforicamente, por que não pensarmos que eles estavam descrevendo aquilo que realmente viam, da forma que lhes era possível expressar? Então, os antropólogos dessa teoria mostram que diversas culturas, ao falarem sobre seus deuses, sempre diziam que eles vinham do céu e que podiam voar. Demonstram também que certas construções, como as pirâmides do Egito e do povo Maia, eram quase impossíveis de serem construídas tendo como referência o aparato tecnológico disponível na época em que foram feitas, como também nos mostram desenhos e artefatos que podem estar representando seres de outros planetas. Além disso, utilizam também o argumento de que o salto de inteligência que o homo sapiens deu em sua evolução, sem encontrarmos vestígios de nenhuma espécie intermediária (o “elo perdido”), não consegue ser explicado pela teoria da evolução darwiniana e, por isso, nossa inteligência muito provavelmente é resultada de interferência extraterrestre. Por isso, os deuses (ET’s), num passado distante, plantaram em nossa espécie a semente da inteligência.

Há quem acredite nessa teoria, há quem ache uma grande bobagem. Já eu, acredito que se os ET’s de fato nos deram a inteligência, alguma coisa deu errado. Talvez os ET’s estivessem fazendo experiências conosco, genéticas, tal qual nós fazemos com plantas e pensaram: “E se a gente tentasse fazer o cérebro deles se desenvolver exponencialmente?”. Então os ET’s foram lá e plantaram a semente da inteligência em nós, mas me parece que essa semente estava com defeito. No começo, os ET’s devem ter ficado muito orgulhosos de si mesmos. Nossos cérebros cresceram, começamos a criar ferramentas, tecnologias e civilizações. Os ET’s até nos deram ajuda. Desciam do céu e nos ajudavam a construir pirâmides, voavam e faziam “magias” com suas máquinas. Ficaram até vaidosos, pois começamos a chamá-los de deuses e a reverenciá-los. Mas, os seres humanos, observaram os ET’s, desenvolviam sua inteligência de maneira muito torta. Eram capazes de criar coisas fantásticas, mas também eram capazes das maiores burrices. Então, os ET’s devem ter se decepcionado e foram embora. Já naquela época eles devem ter percebido que fizeram cagada com os humanos. A experiência fora um fracasso. Os humanos então perceberam a despedida dos ET’s e, da forma que lhes era possível contar a história, diziam que os deuses um dia iriam voltar; mas eles não voltaram.

A meu ver, os ET’s, já naquela época, perceberam que a cagada estava feita. Ao invés de nos exterminar, eles nos abandonaram à própria sorte. Conforme o tempo foi passando, fomos provando cada vez mais que eles estavam certos em nos abandonar, como uma experiência perdida. A semente danificada da inteligência resultou em perseguições religiosas, suplícios, caça às bruxas, guilhotinas, guerras sem sentido, holocausto, bombas atômicas e etc. A semente da inteligência danificada nos deu tanto a inteligência como a burrice. Hoje em dia, os jovens ET’s devem ter aula de história geral do universo e os professores devem ensiná-los que as experiências com humanos foi um capitulo vergonhoso da história alienígena. Devem apontar que os estudiosos de inteligência implantada observam a Terra ainda hoje e notam que, apesar das esperanças de que essa inteligência ambígua ainda se enverede por bons caminhos, a danificação da semente ainda atinge uma parcela significativa dos humanos. Deve haver um especialista alienígena fazendo um estudo de caso sobre deputados brasileiros como Bolsonaro e Myriam Rios, que provam que a danificação da semente da inteligência, plantada a milhões de anos, pode gerar casos horríveis de intolerância justificada em relações causais absurdas (homossexualidade causa pedofilia?!).

No final das contas os ET’s devem ter vergonha de nós, por isso nunca mais deram as caras. Consideram-nos um caso perdido. Um ou outro alienígena estudioso de humanos (corajoso e esperançoso) deve aparecer por aqui de vez em quando (eles sabem bem que o nível de intolerância humana, resultado da danificação da semente, faz com que, se um ET for pego aqui na Terra, a probabilidade que ele seja assassinado é altíssima). Talvez, se um dia vencermos a probabilidade de sermos burros e nossa inteligência venha a se desenvolver por bons caminhos, os poucos estudiosos alienígenas de seres humanos (corajosos e esperançosos) voltem a seus planetas com relatórios surpreendentes. Nesse caso, os ET’s não terão mais vergonha de nós e poderão seguramente nos visitar. Todavia, essa ainda parece não ser uma projeção segura para os estudos alienígenas.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A liberdade precisa de regras

A noção de liberdade, no senso comum, está muito atrelada à ausência de regras. Para muitos, liberdade significa “fazer tudo o que se quiser”, “sem limites”. A filosofia, já por muito tempo, se ocupa da questão da liberdade e, nos últimos tempos, tem nos mostrado cada vez mais que liberdade nada tem a ver com a realização desenfreada das vontades de cada um. Sartre já nos mostrou isso quando colocou o homem como ser livre, condenado à responsabilidade de cada escolha, e que não é responsável somente pela sua restrita individualidade, mas sim perante toda humanidade. Mesmo assim, a  filosofia de Sartre parece ainda não nos deixar claro do porque precisarmos de regras. Talvez um dos melhores exemplos para se demonstrar isso esteja na noção de controle social.

Ora, é só falarmos de “controle social”, ou qualquer outro tipo de controle, principalmente envolvendo mídias, que os defensores da “liberdade” já levantam suas bandeiras; para eles, qualquer tipo de controle é restrição da liberdade, é impor regras para restringir as liberdades. Isso não poderia estar mais equivocado, afinal, não pode haver sociabilidade sem controle; como diria John Dewey, “sem regras, não há jogo”.

Georges Gurvitch nos ajuda a esclarecer essa confusão quando, fazendo uma revisão bibliográfica a respeito do controle social, nos aponta para a ambiguidade da palavra “controle”, que tanto pode significar dominação, como também regulação. Sendo assim, o controle social não pode somente ser pensado em sua dimensão perversa, da dominação, mas também como meio de regulação dos jogos sociais. Dentro do controle social estão não só as leis, como a moral, cultura e etc.

Para percebermos isso, não é preciso ir muito longe. Ora, as leis não deixam de ser regras de controle social. Sem elas, como nos asseguraríamos (teoricamente pelo menos) que a justiça seja feita? É seguro dizer também que existem regras em todas as nossas relações sociais, sejam elas formais, como o manual de conduta de um colégio, como informais e para além das instituições, como a moral. A ideia do Wikipédia, por exemplo, é a de uma enciclopédia livre, mas isso não quer dizer que a Wikipédia não possua regras. Quem já tentou postar ou alterar um artigo lá sabe do que estou falando. Entretanto, as regras do Wikipédia não são uma restrição da liberdade, mas sim uma maneira de assegurar o bom funcionamento da ferramenta. A questão da liberdade aí é a seguinte: você tem a liberdade de alterar artigos no Wikipédia, mas, para isso, deve aceitar nossas regras, deve saber jogar o nosso jogo. Se eu tenho um blog, quem for comentar nele deve aceitar as minhas regras, assim como quem irá jogar xadrez pela primeira vez deve aceitar as regras do jogo.

“Tudo bem, Tiago. Mas e aí, como fica a liberdade de escolha se eu só posso aceitar regra dos outros?”. Na verdade, a liberdade aqui é a liberdade de entrar e sair do jogo quando quiser, exceto quando estamos falando da política. Como nascemos num regime democrático, estamos num jogo que não podemos sair dele; quem sai da democracia (ou de qualquer regime político) fica à deriva da sociedade e sabemos muito bem que viver como Robson Crusoé não é uma coisa legal. Entretanto, o jogo democrático tem uma característica peculiar: ele teoricamente permite que os cidadãos tenham a liberdade de interferir sobre as regras. Sendo assim, em nossa sociedade, ser livre não é somente poder transitar livremente num ambiente regrado, como também é ter a liberdade de reivindicar a alteração das regras. Democracia seria, teoricamente, o regime que acolhe a vontade da maioria, sem desrespeitar os direitos da minoria, através da liberdade dos cidadãos de intervir nas regras do jogo. Isso é um pouco diferente de um garoto que aprende a jogar futebol. Raramente se reclamará de uma regra em particular do futebol, mas sim da interpretação da regra. Somente quando uma regra (ou a ausência de uma regra) está atrapalhando o funcionamento do jogo é que se pensa em mudá-la.

Seja no funcionalismo de Durkheim, seja no pragmatismo de Dewey, o controle social é não só aquilo que regula positivamente a sociedade, como também é aquilo que permite a própria liberdade. São as leis, por exemplo, que preveem os direitos dos cidadãos, permitindo que eles participem do jogo social e, tendo seus direitos assegurados, sejam livres.  Sem as leis, sem as regras, sem nada disso, não há jogo. Pior do que isso: impera alguma outra lei, como a lei do mais forte, por exemplo. Nesse caso, só serão livres os fortes.

sábado, 28 de maio de 2011

Lie to Me e a boa mentira

O pragmatismo, filosofia norte-americana, apesar de muito pouco trabalhado aqui no Brasil (a tradição por aqui é europeia), me ensinou coisas interessantes. Ensinou-me, por exemplo, que as melhores reflexões não são aquelas que ficam circulando em torno de uma verdade metafísica (absoluta, universal), mas sim aquelas que nos apontam para a verdade útil, voltada para a experiência cotidiana, para as práticas do dia-a-dia. O pragmatismo é amigo do relativismo filosófico, de Protágoras, como também é amigo de Nietzsche e de Wittgenstein. Atento para a realidade linguística, verdade para o pragmatismo é aquilo que nos permite orientarmos a nós mesmos na realidade, é aquilo “que não temos boas razões para duvidar no momento”. Justamente por isso que, aqui no blog, procuro fazer reflexões do cotidiano. O Desbanalizando não é o blog de um filósofo, pois não sou filósofo; mas sim uma espécie de tentativa de utilização de instrumentos filosóficos, de homenagem ao pragmatismo e à filosofia de Paulo Ghiraldelli jr., filósofo que define a filosofia como a “desbanalização do banal”.

O post de hoje surgiu de uma prática bem cotidiana: assistir seriados. Há quem condene o entretenimento e a cultura de massas. Eu não sou um desses. Adoro filmes Holywoodianos e seriados norte-americanos. Ultimamente, comecei a assistir um seriado chamado Lie to Me. A ideia geral desse seriado não é tão original. É sobre um cara com habilidades muito especificas que ajuda em investigações policiais. Já vimos isso em outros seriados envolvendo falsos médiuns, matemáticos e etc. Todavia, o interessante nesse seriado é a habilidade especial desse protagonista e de sua equipe: a habilidade de detectar mentiras. Através de gestos e principalmente de microexpressões faciais, Cal Lightman, protagonista, e sua equipe, conseguem detectar expressões emocionais inconscientes e apontar cientificamente, ou intuitivamente, mentiras e explicações para elas. Entretanto, Lightman e sua equipe não são apenas polígrafos humanos, eles estão muito além disso. O poligrafo é capaz de apontar picos de ansiedade e, de forma precária, apontar se uma fala é mentira ou não. O que mais interessa a Lightman não é apontar uma mentira, mas sim explica-la, procurar saber o porquê de a pessoa ter mentido. O que interessa ao protagonista e sua equipe não são os picos de ansiedade, mas sim se as emoções detectadas nas microexpressões faciais, que são inconscientes, condizem com a fala do interrogado.

Bom, essa é a proposta do seriado. Uns acharão bom, outros ruim. Entretanto, o que mais me chamou atenção nesse seriado foi um convite para pensarmos o papel da mentira no nosso dia-a-dia, seja individualmente, seja na sociedade. Para mim, a mentira reside na intenção daquele que fala. Mentira não é aquilo que contraria a verdade absoluta (coisa que para o pragmatismo, não existe). Mentira é quando falamos intencionalmente uma coisa que contraria aquilo que acreditamos que é a verdade. Se eu acredito que marcianos existem, não importa se eles “realmente” existem; se eu disser para alguém que eles não existem, acreditando que eles existem, estarei mentindo. Mas por que eu, e todas as 6 bilhões de pessoas nesse mundo, mentem? E o pior é que fazemos isso todos os dias. Condenamos a mentira, dizemos que “a verdade nos libertará”, que mentir é pecado e trair a confiança, mas mentimos todos os dias.

Penso que a mentira é uma forma de proteção, seja para si mesmo, seja para os outros. Ou seja, mentimos para protegermos a nós mesmos ou a outros. Podemos pensar aqui em vários casos. O político corrupto que mente para proteger seus interesses individuais; a garota que mente para o garoto na hora de terminar, para não magoa-lo; a mãe que mente para o filho para protege-lo do mundo; o pretendente que mente suas intenções sexuais para não se apressar muito na sua sedução e assim protege aos próprios interesses e etc. Podemos ver que a mentira tem lá tanto suas formas profundamente egoístas, mas também há as formas nobres.  Certa vez um professor meu perguntou à sala: “o que é melhor, uma verdade que machuca ou uma mentira que deixa feliz?”. Aqueles que acreditavam piamente na verdade universal e absoluta, não pensaram duas vezes antes de responder que a verdade que machuca é melhor. Eu não. Essa pergunta martela minha cabeça até hoje. Dizemos que sempre devemos dizer a verdade, mas, na prática, mentimos todos os dias. E não mentimos somente com intenções maléficas. Os dilemas éticos do Dr. House são ótimos exemplos nesse sentido. O famoso e intrigante Dr. House mente e passa por cima do código de ética com um intuito: resolver o puzzle e salvar a vida do paciente. Inclusive já mentiu que havia observado o primeiro caso de partenogênese humana para salvar o relacionamento de um casal. Na política mesmo, apesar de acharmos todos os políticos corruptos (o que não é verdade), os dirigentes do país, numa crise, podem mentir dizendo ao povo que tudo ficará bem, mesmo eles não acreditando muito nisso, para que o desespero do povo não piore a situação.

No final das contas, penso que talvez devêssemos não condenar tanto a mentira, mas sim, como em Lie to Me, condenar as más mentiras. Uma coisa é uma mentira que pode salvar uma vida ou evitar conflitos desnecessários em relacionamentos pessoais, outra coisa é uma mentira voltada para a corrupção ou que pode levar alguém injustamente para a cadeia. Nesse ponto da leitura, alguns podem ainda ter um pezinho atrás com a mentira. Aqui, tento um último argumento: o personagem Eli Loker, de Lie to Me. Esse personagem é especial, pois ele sempre diz a verdade e isso nem sempre lhe rende bons frutos. O protagonista também evita apontar todas as mentiras da filha adolescente para não arriscar perdê-la. Acabo aqui por concluir que a mentira desenvolve uma espécie de controle social. Controle social não no sentido da manipulação, mas sim do controle positivo, de regulação, para que a sociedade não entre em conflitos desnecessários e destrutivos, como também para que possamos lidar melhor com nossos sentimentos e relacionamentos. Isso não significa dizer que a mentira é sempre boa, significa dizer que ela não é sempre ruim.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Reflexões de esteira (ou "aforismos" de academia)

Ir à academia tem me inspirado várias reflexões. Acho que isso se deve aos quarenta minutos que fico na esteira, caminhando sem sair do lugar, observando e distraindo o pensamento. Aqui estão algumas reflexões surgidas na academia, principalmente na esteira:

- “Vou à academia por causa da minha saúde”, não raro, é uma afirmação meio-verdadeira.  O que mais nos anima a ir à academia são os resultados estéticos. Temos problema em admitir isso porque inventaram em nossos tempos que se preocupar com a beleza é futilidade.

- A primeira academia foi a de Platão. Lá se filosofava e faziam-se exercícios físicos. Diferentemente de nós, os antigos gregos não tinham problema em admitir que os exercícios físicos fossem uma educação para a beleza do corpo.

- Se na academia de Platão se filosofava e faziam-se exercícios físicos, acho que estou no caminho certo pensando essas coisas enquanto faço esteira.

- Nossa, que mulher gostosa!

- Einstein estava certo: A esteira da academia opera uma alteração no espaço/tempo: quanto maior a intensidade da corrida, mais demora a passar o tempo.

- Os espelhos da academia cumprem tripla função. A função pedagógica: ver se os movimentos dos exercícios estão sendo executados corretamente. A função narcísica: "nossa, olha esse meu bíceps definido, quero me pegar". E a função anti-narcísica: "Pqp, tô gordo ainda, preciso continuar vindo aqui".

- Quando estamos planejando fazer academia, logo pensamos: “vou malhar pra me diferenciar. Vou ficar sarado”. Ao entrarmos na academia, vemos tanta gente sarada que nos decepcionamos: “não vou me diferenciar de nada, vou ficar igual a todos aqui”.

- Parece que todo mundo sabe a melhor maneira de fazer musculação, até mesmo quem nunca foi na academia. Daqui a pouco vão dizer que malhar “não é uma ciência, é uma arte”.

- O dia que colocarem bicicletas ergométricas dentro da balada, estarão plagiando o spinning.

- Sexta-feira: “Uhul, perdi 400 gramas essa semana!”. Segunda-feira pós-ressaca: “Merda, ganhei 500 gramas”. Conclusão: “Ganhei 100 gramas desde a semana passada. Se eu não estivesse fazendo academia, teria ganhado 500 gramas!”.

- O adipômetro é o teste mais doloroso da academia, tanto fisicamente quanto simbolicamente. Estão beliscando e medindo suas dobras. Pense nisso.

sábado, 23 de abril de 2011

Confundindo os três amores

Costumamos falar em amor sem muitas especificações. Falamos do amor de pais para filho, do amor entre amigos e do amor de casais sem muitas diferenciações. “É tudo amor”. Entretanto, mesmo que não queiramos, sempre que falamos em amor estamos fazendo referência a três noções muito antigas de amor. Duas delas são da antiga Grécia: eros e philia. A outra é cristã, a noção de ágape. Esses três amores não são a mesma coisa, por mais que por vezes se relacionem. Justamente por não serem a mesma coisa é que a confusão entre eles, por vezes, nos trazem problemas. Com definições bem grosseiras desses três amores, já podemos observar que problemas são esses.

A noção de Eros diz respeito ao amor romântico, de casais. Esse amor tem a ver com o erótico, com o desejo, com o sexo e, como diz o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr., com o ciúmes que envolve a posse do outro. Sem desejo sexual e ciúmes que envolve a posse do outro, não há eros. Já a noção de philia, que também advém da antiga Grécia, trata sobre o amor entre amigos, a amizade. Aristóteles, em Ética a Nicômaco, nos da uma boa noção de amizade, que é o desejar o outro bem, a reciprocidade de interesses e fidelidade. A amizade é uma virtude nobre. Agora, em um contexto histórico posterior, do cristianismo, surge o amor ágape, que podemos localizar de maneira emblemática na figura de Jesus. O amor ágape é o amor desinteressado, o amor pelo próximo e até mesmo pelos inimigos, o amor da solidariedade.

Aqui já podemos ver que tipo de confusões vão começar a surgir quando confundimos os três amores. Podemos fazer confusão, por exemplo, entre eros e philia. Ora, os casais também demandam certos traços da amizade como querer o outro bem e a fidelidade, mas, mesmo assim, pensar o amor de casais como amizade pode nos levar a uma certa frigidez destrutiva pois não há casal que sobreviva sem eros. Sem desejo sexual e ciúme de posse pode haver de tudo entre duas pessoas, menos eros. Se a dimensão erótica já sumiu entre um casal, por mais que eles permaneçam casados e ainda haja traços de amizade entre eles, o amor romântico não existe mais. Na confusão inversa, por vezes se quer tomar eros por philia. Seja por falta de conhecimento de si mesmo, seja por pressão de valores morais, muitas pessoas se apaixonam pelo amigo, até mesmo de igual sexo, e tomam aquilo como “só amizade” ou uma amizade forte. Se há desejo sexual e ciúmes de posse, não é philia. Isso vale tanto para pessoas de sexo diferente como pessoas de mesmo sexo.

Visto essas duas confusões que podem surgir entre as duas noções gregas de amor, agora podemos falar da maior confusão de todas: a confusão entre ágape e as noções gregas. O grande problema aqui é que a noção de amor cristã é desinteressada e eros e philia são interessadas. Eros quer o prazer que surge da relação com o outro e philia exige a reciprocidade típica da amizade, por isso são amores interessados. É nesse contexto que ágape vira desculpa para os problemas de eros e philia e faz exigências. Um amigo trai a fidelidade do outro e, portanto, destruiu a amizade, mostrou que philia não existia entre os dois. Uma justificativa que o “amigo” traidor pode dar é: “mas se você é mesmo meu amigo e me ama, vai me perdoar”. A exigência do “amigo” é que a philia seja reparada pelo amor ágape. Apesar de sua infidelidade, o “amigo” utiliza a noção de ágape para exigir philia.

Algo de mesma proporção ocorre entre os casais: “eu te traí, mas se você me ama mesmo, vai me perdoar, porque quem ama perdoa”. Mais uma vez, ágape exigindo eros. Outro caso emblemático que nos mostra uma confusão entre eros e ágape é o de pessoas que, naturalizando a própria feiura, acham que as outras devem “amá-la pelo que ela é”, mesmo que “o que ela é” seja uma pessoa antipática, que não toma banho e não escova os dentes. Ou seja, essa pessoa que não desperta o desejo erótico nas outras, seja porque não se cuida, seja porque tem uma personalidade nada agradável, utiliza ágape para achar que as outras devem ter amor desinteressado por ela. Ninguém fica com, ou namora, outra pessoa por piedade, com desinteresses. Ninguém beija outra pessoa na boca simplesmente por solidariedade.

Podemos até falar em ágape se tratando de atos de solidariedade (será mesmo? Eu tenho sempre um pé atrás com ágape), mas quando falamos de amizade e namoro, ágape só traz problemas, grandes problemas. Mesmo assim, creio que ágape ainda pode permitir que, no movimento trágico da traição para o perdão, alguns amores eros e philia sejam “recuperados”, ou melhor dizendo, nasçam novamente entre duas pessoas.

sábado, 16 de abril de 2011

Paula Toller (Kid Abelha), muçulmanos e o espaço público

Nessa altura do campeonato é incrível termos celebridades que ainda não aprenderam que a internet é espaço público, muito menos as implicações dessa relação. No ano passado, uma declaração de Rita Lee no Twitter teve uma repercussão tão negativa que a cantora excluiu a própria conta na rede social. Rita Lee dissera, querendo criticar a proposta de local do novo estádio do Corinthians na época, que “o Itaquera é o c* de onde sai a bosta do cavalo do bandido”. Com bons motivos, moradores do Itaquera não gostaram nada dessa afirmação.

Agora, há poucos dias do show do grupo Kid Abelha na cidade de Foz do Iguaçu-PR, onde se localiza uma das maiores colônias de muçulmanos do país, a cantora da banda, Paula Toller, resolveu fazer uma “brincadeirinha” envolvendo a cidade em seu Twitter (@PaulaToller): “Triplice fronteira sinistra, dizem q Bin Laden mora aqui e ninguem repara, pq todo mundo se parece com ele”.

Como repercussão, diversos moradores da cidade responderam Toller no Twitter, indignados com a “brincadeira” da cantora. Para abafar a situação, a vocalista do Kid Abelha então respondeu: “Nao era para levar a serio, foi apenas uma brincadeira. Vamos rir um pouco, gente, a vida e curta e vcs moram num lugar deslumbrante”.

Nada disso teria acontecido nem com Rita Lee, nem com Paula Toller, se, sendo celebridades, personalidades públicas, elas tivessem noção de duas coisas: pragmática e espaço público. Começaremos pela noção de espaço público.

Podemos levantar vários sentidos para a noção de espaço público. Até mesmo podemos confundir essa noção com quando falamos em prédio público, por exemplo. Mas, talvez, a melhor concepção de espaço público que podemos elencar para pensar o caso Paula Toller é aquela que tem relação com a praça pública, noção que deriva da pólis grega, onde os cidadãos, pessoas privadas, se reuniam para discutir os assuntos públicos. A praça pública não se limita a um lugar físico. Por isso mesmo, muitos concebem os meios de comunicação de massa, como a TV, por exemplo, como espaço público. Sabemos muito bem disso quando dizemos que, estando em rede nacional, não se pode falar qualquer bobagem (em teoria!).

Cada pessoa privada é responsável por aquilo que diz no espaço público. Como se pode pensar a TV como espaço público, a internet, apesar de ser um espaço virtual, também se encaixa nessa noção. Aliás, ela se encaixa melhor que a própria TV, afinal, sendo muito mais interativa que os outros meios de comunicação, todos que tem acesso a ela podem meter a boca no trombone caso queiram. Podem criar blogs opinativos, comentar notícias, participar de fóruns de discussão e etc.

Justamente por isso que, se a nossa responsabilidade como cidadãos já é grande quando falamos na internet, a responsabilidade das celebridades, personalidades públicas, parece ser muito maior. No Twitter, por exemplo, é mais do que recomendado para uma personalidade pública pensar muito bem antes de falar qualquer coisa. Brincadeiras? Mais ainda. Por mais que Paula Toller tivesse a pura intenção apenas de brincar e Rita Lee quisesse apenas criticar o Corinthians, e não os moradores do Itaquera, isso não importa perante o espaço público. Dito uma coisa no espaço público, aquele que falou é responsável por todos os sentidos possíveis que podem ser atribuídos à própria fala dentro do contexto em que essa fala foi dita.

A pragmática, como perspectiva de estudo da linguagem nos atenta para isso em dois pontos. O primeiro aprendemos com Austin: falar é agir. Não existe o falar passivo. Toda fala é uma intervenção na realidade, um ato. Uma brincadeira é uma brincadeira, mas ela nunca é “só” uma brincadeira. A outra coisa que aprendemos com a pragmática é que o contexto de fala é fundamental para os sentidos atribuídos a essa fala e que não existe significado único, imanente, de uma frase, por mais inocente que possa ser a intenção do falante.

Se Rita Lee soubesse bem dessas coisas, que o Twitter é espaço público e, portanto, ela, como personalidade pública, tinha um grande peso de responsabilidade pelo que falava ali, não teria dito o que disse. Isso também vale para Paula Toller que, além de não parecer entender a noção de Twitter como espaço público, quis se justificar dizendo que era “só” uma brincadeira. A vocalista do Kid Abelha deveria ter levado em consideração o contexto atual: a revista Veja está sendo processada justamente por publicar acusações de terrorismo em Foz do Iguaçu envolvendo muçulmanos que moram na cidade. Sem dizer que a fala da cantora foi uma brincadeira que envolveu raças, o que facilmente podem-lhe atribuir um significado racista.

No fim das contas, assim como o próprio público mostrou à Rita Lee que o Twitter não é “terra de ninguém”, o que fez com que ela excluísse a própria conta da rede social, o mesmo impulsionou Paula Toller a apagar seus mal recebidos tweets.

sexta-feira, 1 de abril de 2011

TV não emburrece

Quando vamos parar de culpar a TV pela nossa burrice? O discurso de que a TV emburrece, de que as novelas e o BBB “alienam” (quem diz isso realmente leu Marx ou mesmo Adorno?), já é um discurso ultrapassado. Sei que meus colegas de comunicação já cansaram de ouvir isso, mas, como meu blog tem outros públicos, essa discussão merece espaço. Pior do que ultrapassado, esse é um discurso que, não raro, assume suas formas autoritárias, coisa que numa democracia é inaceitável. Vejamos, com paciência, de onde esse discurso pode ter vindo e porque ele merece as devidas críticas.

Para começar, tenho minhas suspeitas de que esse discurso é uma ressonância dos estudos sobre a indústria cultural da primeira metade do século passado. Adorno, da escola de Frankfurt, deu um grande peso à noção de indústria cultural e, com isso, condenou todos os meios de comunicação como reprodutores de ideologia (entendida como ilusão que inverte a realidade e mascara a exploração do trabalhador, alienando-o do fruto de seu trabalho). Não raro, o pensamento de Adorno é criticado como elitista. Afinal, para ele, somente a “alta cultura” poderia nos salvar da ideologia. Ora, na mesma “escola” (parece que os Frankfurtianos são unidos só pelo nome) de Adorno, Walter Benjamim nos mostrou um caminho diferente. Mostrou-nos que o cinema tinha seu poder revolucionário.

Mais tarde, Habermas nos mostraria que o pensamento de Adorno merecia uma crítica que recairia nos fundamentos epistemológicos de seu pensamento. Adorno pensou de acordo com a noção de sujeito moderno, que pensa sozinho, é autônomo e com o cogito, chega sozinho à verdade. Ora, mas a razão monológica (de uma só pessoa), nos apontaria Habermas, tende para o autoritarismo: uma só pessoa pensa e impõe a verdade às outras. É nesse contexto que Habermas introduz a noção de razão comunicativa, intersubjetiva. O que é isso? Isso é a racionalidade que se constrói entre sujeitos, através do diálogo e do consenso. Uma razão dialógica. Por que devemos nos sujeitar à racionalidade de uma pessoa, uma autoridade, sendo que podemos exercer a razão juntos, conversando? Aqui, a ideia da indústria cultural, e da TV alienadora, cai por terra porque no mundo da vida podemos, através de nossas conversas, questionar tudo que vem das “estruturas”, da TV e etc. Isso significa dizer que a TV não transmite para mentes isoladas que estão sujeitas a essa mensagem como receptáculos passivos.

Outros estudos mais recentes, como os estudos do interacionismo simbólico, teoria da recepção, apontam que essa coisa de “Tv alienadora” é uma bobagem, dado que o receptor pode ter um papel ativo na ressignificação da mensagem. Pode mesmo negá-la, como muitos de nós fazemos quando dizemos que a TV está mentindo. O que acontece é que o bom senso de ontem, que foi Adorno, se transformou, descontextualizado, no senso comum de hoje. Tem muita gente repetindo Adorno, descontextualizado, sem saber.

Mas, afinal, no que os pregadores da “TV como emburrecedora” acreditam? Acreditam que o Brasil seria um país melhor se a TV possuísse programas de melhor qualidade, se os BBB’s e as novelas da Rede Globo fossem banidas das programações. Ora, mas quem disse que as ressignificações (os sentidos que damos pras mensagens da tv) são uniformes? Pessoas de boa formação podem assistir TV e continuam inteligentes. Acontece que a boa formação, a boa educação, amplia a nossa percepção, de maneira que temos maior condição de refletir sobre aquilo que vemos. A pessoa inteligente, se gosta do BBB, o vê com o olhar produtivo. A questão não é gostar ou desgostar da TV, mas sim ter a capacidade de ver a TV de forma inteligente. E os inteligentes, muitas vezes, não deixam de observar nem a cultura popular e nem a de massa, como Gramsci, por exemplo.

O pessoal anti-TV acredita também que, melhor do que dialogar e repensar o problema, é impor que as pessoas não devam gostar de novelas e BBB. Enfim, impõe que os outros não devam gostar de TV. Aí, seu pensamento vira autoritário e ele se transforma num verdadeiro pregador, querendo ditar o gosto alheio. Gostar ou não gostar de TV e seus programas é não só um direito das pessoas, como diz muito menos sobre a inteligência delas do que se acredita. Isso o pregador não entende.

Aqui, o pregador poderia questionar: “mas você está tomando como pressuposto que todas as pessoas são inteligentes. Como a maioria dos brasileiros é burro, então o que você falou não vale”. E aí, ele caiu na própria armadilha. Se for verdade que a maioria dos brasileiros é burro (verdade do pregador), então, o que temos no país não é um problema de TV, mas sim um problema de educação. E como se resolve primordialmente um problema de educação? Pela TV? Não! Pela educação, oras. Pensando-se em boas políticas de educação, remunerando melhor os professores do ensino médio e fundamental para que a área se torne mais competitiva, dando atenção às reformas do ensino fundamental e médio. Em suma, promovendo uma mudança radical (pela raiz), na educação brasileira, afinal, nosso ensino fundamental, e médio, está precário.

Melhorando-se a educação, formando-se bons cidadãos, estes terão a percepção de mundo ampliada e poderão ver não só a TV, como o resto do mundo, de maneira construtiva, positiva. A teoria da recepção nos mostra isso: não se dá significados iguais às mensagens da TV, por exemplo. Esses significados dependem das estruturas de sentido do receptor. Se isso é verdade, a educação tem o poder de ampliar essas estruturas de sentido, fazendo com que o receptor ressignifique as novelas, ou o BBB, de forma inteligente.

Pensando utopicamente num país onde a educação é exemplar, esse será um país onde a pessoa terá o direito de gostar ou desgostar de novelas, ou BBB, sem ser taxado como burro. Será um país onde as pessoas podem assistir filmes hollywoodianos para descansar sem serem julgadas pelo crivo da erudição. Será um país onde, pelas pessoas terem boa formação, poderão exigir, caso assim queiram, dos produtores da TV, programas mais elaborados, criando uma demanda de qualidade que os produtores não poderão ignorar.

Culpar a TV pela má educação no Brasil é uma grande bobagem, é se desviar do problema central que é a própria educação. Talvez se parássemos de apontar o dedo indicador pra TV e começássemos a apontar para nós mesmos e nossas políticas educacionais, a coisa poderia começar a mudar.

PS: Eu conheço os estudos sobre a questão da concentração de crianças que veem muita TV, mas isso não tem a ver com minha provocação. A minha questão é cultural e tem mais a ver com o conteúdo da TV. Novela emburrece? Só burro acha isso. Novela é folhetim televisionado. É uma questão de educação saber apreciar uma novela como quem aprecia um folhetim.