terça-feira, 28 de junho de 2011

Os extraterrestres e a burrice humana

Os céticos (do ceticismo cientifico e não estritamente filosófico) costumam chamar os conhecimentos que se dizem ciência, mas não possuem provas concretas, nem metodologias e argumentos rigorosos, de pseudociências. A chamada “Teoria dos Astronautas Antigos” é considerada, por alguns céticos, uma pseudociência. Todavia, apesar de não apresentar hard evidences, segundo alguns, fica difícil negar que a hipótese trabalhada pelos historiadores e arqueólogos filiados a essa teoria (se é que podemos chama-la mesmo de “teoria”), seja pura fantasia. Isso acontece porque as intepretações que eles fazem de relatos bíblicos, mitos greco-romanos e pinturas rupestres, apesar de soarem estranhas a muitos de nossos ouvidos, não deixam de ser uma possibilidade. O próprio defensor da “ciência como uma vela no escuro”, Carl Sagan, parece acreditar nessa hipótese: a hipótese de que nossos ancestrais recebiam visitas de ET’s.

É esquisito e soa até engraçado, mas os estudiosos dos astronautas antigos propõem uma inversão interessante. Ao invés de pensarmos que nossos antepassados, ao falarem de deuses, magias e máquinas voadoras, estavam fantasiando, ou falando metaforicamente, por que não pensarmos que eles estavam descrevendo aquilo que realmente viam, da forma que lhes era possível expressar? Então, os antropólogos dessa teoria mostram que diversas culturas, ao falarem sobre seus deuses, sempre diziam que eles vinham do céu e que podiam voar. Demonstram também que certas construções, como as pirâmides do Egito e do povo Maia, eram quase impossíveis de serem construídas tendo como referência o aparato tecnológico disponível na época em que foram feitas, como também nos mostram desenhos e artefatos que podem estar representando seres de outros planetas. Além disso, utilizam também o argumento de que o salto de inteligência que o homo sapiens deu em sua evolução, sem encontrarmos vestígios de nenhuma espécie intermediária (o “elo perdido”), não consegue ser explicado pela teoria da evolução darwiniana e, por isso, nossa inteligência muito provavelmente é resultada de interferência extraterrestre. Por isso, os deuses (ET’s), num passado distante, plantaram em nossa espécie a semente da inteligência.

Há quem acredite nessa teoria, há quem ache uma grande bobagem. Já eu, acredito que se os ET’s de fato nos deram a inteligência, alguma coisa deu errado. Talvez os ET’s estivessem fazendo experiências conosco, genéticas, tal qual nós fazemos com plantas e pensaram: “E se a gente tentasse fazer o cérebro deles se desenvolver exponencialmente?”. Então os ET’s foram lá e plantaram a semente da inteligência em nós, mas me parece que essa semente estava com defeito. No começo, os ET’s devem ter ficado muito orgulhosos de si mesmos. Nossos cérebros cresceram, começamos a criar ferramentas, tecnologias e civilizações. Os ET’s até nos deram ajuda. Desciam do céu e nos ajudavam a construir pirâmides, voavam e faziam “magias” com suas máquinas. Ficaram até vaidosos, pois começamos a chamá-los de deuses e a reverenciá-los. Mas, os seres humanos, observaram os ET’s, desenvolviam sua inteligência de maneira muito torta. Eram capazes de criar coisas fantásticas, mas também eram capazes das maiores burrices. Então, os ET’s devem ter se decepcionado e foram embora. Já naquela época eles devem ter percebido que fizeram cagada com os humanos. A experiência fora um fracasso. Os humanos então perceberam a despedida dos ET’s e, da forma que lhes era possível contar a história, diziam que os deuses um dia iriam voltar; mas eles não voltaram.

A meu ver, os ET’s, já naquela época, perceberam que a cagada estava feita. Ao invés de nos exterminar, eles nos abandonaram à própria sorte. Conforme o tempo foi passando, fomos provando cada vez mais que eles estavam certos em nos abandonar, como uma experiência perdida. A semente danificada da inteligência resultou em perseguições religiosas, suplícios, caça às bruxas, guilhotinas, guerras sem sentido, holocausto, bombas atômicas e etc. A semente da inteligência danificada nos deu tanto a inteligência como a burrice. Hoje em dia, os jovens ET’s devem ter aula de história geral do universo e os professores devem ensiná-los que as experiências com humanos foi um capitulo vergonhoso da história alienígena. Devem apontar que os estudiosos de inteligência implantada observam a Terra ainda hoje e notam que, apesar das esperanças de que essa inteligência ambígua ainda se enverede por bons caminhos, a danificação da semente ainda atinge uma parcela significativa dos humanos. Deve haver um especialista alienígena fazendo um estudo de caso sobre deputados brasileiros como Bolsonaro e Myriam Rios, que provam que a danificação da semente da inteligência, plantada a milhões de anos, pode gerar casos horríveis de intolerância justificada em relações causais absurdas (homossexualidade causa pedofilia?!).

No final das contas os ET’s devem ter vergonha de nós, por isso nunca mais deram as caras. Consideram-nos um caso perdido. Um ou outro alienígena estudioso de humanos (corajoso e esperançoso) deve aparecer por aqui de vez em quando (eles sabem bem que o nível de intolerância humana, resultado da danificação da semente, faz com que, se um ET for pego aqui na Terra, a probabilidade que ele seja assassinado é altíssima). Talvez, se um dia vencermos a probabilidade de sermos burros e nossa inteligência venha a se desenvolver por bons caminhos, os poucos estudiosos alienígenas de seres humanos (corajosos e esperançosos) voltem a seus planetas com relatórios surpreendentes. Nesse caso, os ET’s não terão mais vergonha de nós e poderão seguramente nos visitar. Todavia, essa ainda parece não ser uma projeção segura para os estudos alienígenas.

sexta-feira, 10 de junho de 2011

A liberdade precisa de regras

A noção de liberdade, no senso comum, está muito atrelada à ausência de regras. Para muitos, liberdade significa “fazer tudo o que se quiser”, “sem limites”. A filosofia, já por muito tempo, se ocupa da questão da liberdade e, nos últimos tempos, tem nos mostrado cada vez mais que liberdade nada tem a ver com a realização desenfreada das vontades de cada um. Sartre já nos mostrou isso quando colocou o homem como ser livre, condenado à responsabilidade de cada escolha, e que não é responsável somente pela sua restrita individualidade, mas sim perante toda humanidade. Mesmo assim, a  filosofia de Sartre parece ainda não nos deixar claro do porque precisarmos de regras. Talvez um dos melhores exemplos para se demonstrar isso esteja na noção de controle social.

Ora, é só falarmos de “controle social”, ou qualquer outro tipo de controle, principalmente envolvendo mídias, que os defensores da “liberdade” já levantam suas bandeiras; para eles, qualquer tipo de controle é restrição da liberdade, é impor regras para restringir as liberdades. Isso não poderia estar mais equivocado, afinal, não pode haver sociabilidade sem controle; como diria John Dewey, “sem regras, não há jogo”.

Georges Gurvitch nos ajuda a esclarecer essa confusão quando, fazendo uma revisão bibliográfica a respeito do controle social, nos aponta para a ambiguidade da palavra “controle”, que tanto pode significar dominação, como também regulação. Sendo assim, o controle social não pode somente ser pensado em sua dimensão perversa, da dominação, mas também como meio de regulação dos jogos sociais. Dentro do controle social estão não só as leis, como a moral, cultura e etc.

Para percebermos isso, não é preciso ir muito longe. Ora, as leis não deixam de ser regras de controle social. Sem elas, como nos asseguraríamos (teoricamente pelo menos) que a justiça seja feita? É seguro dizer também que existem regras em todas as nossas relações sociais, sejam elas formais, como o manual de conduta de um colégio, como informais e para além das instituições, como a moral. A ideia do Wikipédia, por exemplo, é a de uma enciclopédia livre, mas isso não quer dizer que a Wikipédia não possua regras. Quem já tentou postar ou alterar um artigo lá sabe do que estou falando. Entretanto, as regras do Wikipédia não são uma restrição da liberdade, mas sim uma maneira de assegurar o bom funcionamento da ferramenta. A questão da liberdade aí é a seguinte: você tem a liberdade de alterar artigos no Wikipédia, mas, para isso, deve aceitar nossas regras, deve saber jogar o nosso jogo. Se eu tenho um blog, quem for comentar nele deve aceitar as minhas regras, assim como quem irá jogar xadrez pela primeira vez deve aceitar as regras do jogo.

“Tudo bem, Tiago. Mas e aí, como fica a liberdade de escolha se eu só posso aceitar regra dos outros?”. Na verdade, a liberdade aqui é a liberdade de entrar e sair do jogo quando quiser, exceto quando estamos falando da política. Como nascemos num regime democrático, estamos num jogo que não podemos sair dele; quem sai da democracia (ou de qualquer regime político) fica à deriva da sociedade e sabemos muito bem que viver como Robson Crusoé não é uma coisa legal. Entretanto, o jogo democrático tem uma característica peculiar: ele teoricamente permite que os cidadãos tenham a liberdade de interferir sobre as regras. Sendo assim, em nossa sociedade, ser livre não é somente poder transitar livremente num ambiente regrado, como também é ter a liberdade de reivindicar a alteração das regras. Democracia seria, teoricamente, o regime que acolhe a vontade da maioria, sem desrespeitar os direitos da minoria, através da liberdade dos cidadãos de intervir nas regras do jogo. Isso é um pouco diferente de um garoto que aprende a jogar futebol. Raramente se reclamará de uma regra em particular do futebol, mas sim da interpretação da regra. Somente quando uma regra (ou a ausência de uma regra) está atrapalhando o funcionamento do jogo é que se pensa em mudá-la.

Seja no funcionalismo de Durkheim, seja no pragmatismo de Dewey, o controle social é não só aquilo que regula positivamente a sociedade, como também é aquilo que permite a própria liberdade. São as leis, por exemplo, que preveem os direitos dos cidadãos, permitindo que eles participem do jogo social e, tendo seus direitos assegurados, sejam livres.  Sem as leis, sem as regras, sem nada disso, não há jogo. Pior do que isso: impera alguma outra lei, como a lei do mais forte, por exemplo. Nesse caso, só serão livres os fortes.