sábado, 28 de maio de 2011

Lie to Me e a boa mentira

O pragmatismo, filosofia norte-americana, apesar de muito pouco trabalhado aqui no Brasil (a tradição por aqui é europeia), me ensinou coisas interessantes. Ensinou-me, por exemplo, que as melhores reflexões não são aquelas que ficam circulando em torno de uma verdade metafísica (absoluta, universal), mas sim aquelas que nos apontam para a verdade útil, voltada para a experiência cotidiana, para as práticas do dia-a-dia. O pragmatismo é amigo do relativismo filosófico, de Protágoras, como também é amigo de Nietzsche e de Wittgenstein. Atento para a realidade linguística, verdade para o pragmatismo é aquilo que nos permite orientarmos a nós mesmos na realidade, é aquilo “que não temos boas razões para duvidar no momento”. Justamente por isso que, aqui no blog, procuro fazer reflexões do cotidiano. O Desbanalizando não é o blog de um filósofo, pois não sou filósofo; mas sim uma espécie de tentativa de utilização de instrumentos filosóficos, de homenagem ao pragmatismo e à filosofia de Paulo Ghiraldelli jr., filósofo que define a filosofia como a “desbanalização do banal”.

O post de hoje surgiu de uma prática bem cotidiana: assistir seriados. Há quem condene o entretenimento e a cultura de massas. Eu não sou um desses. Adoro filmes Holywoodianos e seriados norte-americanos. Ultimamente, comecei a assistir um seriado chamado Lie to Me. A ideia geral desse seriado não é tão original. É sobre um cara com habilidades muito especificas que ajuda em investigações policiais. Já vimos isso em outros seriados envolvendo falsos médiuns, matemáticos e etc. Todavia, o interessante nesse seriado é a habilidade especial desse protagonista e de sua equipe: a habilidade de detectar mentiras. Através de gestos e principalmente de microexpressões faciais, Cal Lightman, protagonista, e sua equipe, conseguem detectar expressões emocionais inconscientes e apontar cientificamente, ou intuitivamente, mentiras e explicações para elas. Entretanto, Lightman e sua equipe não são apenas polígrafos humanos, eles estão muito além disso. O poligrafo é capaz de apontar picos de ansiedade e, de forma precária, apontar se uma fala é mentira ou não. O que mais interessa a Lightman não é apontar uma mentira, mas sim explica-la, procurar saber o porquê de a pessoa ter mentido. O que interessa ao protagonista e sua equipe não são os picos de ansiedade, mas sim se as emoções detectadas nas microexpressões faciais, que são inconscientes, condizem com a fala do interrogado.

Bom, essa é a proposta do seriado. Uns acharão bom, outros ruim. Entretanto, o que mais me chamou atenção nesse seriado foi um convite para pensarmos o papel da mentira no nosso dia-a-dia, seja individualmente, seja na sociedade. Para mim, a mentira reside na intenção daquele que fala. Mentira não é aquilo que contraria a verdade absoluta (coisa que para o pragmatismo, não existe). Mentira é quando falamos intencionalmente uma coisa que contraria aquilo que acreditamos que é a verdade. Se eu acredito que marcianos existem, não importa se eles “realmente” existem; se eu disser para alguém que eles não existem, acreditando que eles existem, estarei mentindo. Mas por que eu, e todas as 6 bilhões de pessoas nesse mundo, mentem? E o pior é que fazemos isso todos os dias. Condenamos a mentira, dizemos que “a verdade nos libertará”, que mentir é pecado e trair a confiança, mas mentimos todos os dias.

Penso que a mentira é uma forma de proteção, seja para si mesmo, seja para os outros. Ou seja, mentimos para protegermos a nós mesmos ou a outros. Podemos pensar aqui em vários casos. O político corrupto que mente para proteger seus interesses individuais; a garota que mente para o garoto na hora de terminar, para não magoa-lo; a mãe que mente para o filho para protege-lo do mundo; o pretendente que mente suas intenções sexuais para não se apressar muito na sua sedução e assim protege aos próprios interesses e etc. Podemos ver que a mentira tem lá tanto suas formas profundamente egoístas, mas também há as formas nobres.  Certa vez um professor meu perguntou à sala: “o que é melhor, uma verdade que machuca ou uma mentira que deixa feliz?”. Aqueles que acreditavam piamente na verdade universal e absoluta, não pensaram duas vezes antes de responder que a verdade que machuca é melhor. Eu não. Essa pergunta martela minha cabeça até hoje. Dizemos que sempre devemos dizer a verdade, mas, na prática, mentimos todos os dias. E não mentimos somente com intenções maléficas. Os dilemas éticos do Dr. House são ótimos exemplos nesse sentido. O famoso e intrigante Dr. House mente e passa por cima do código de ética com um intuito: resolver o puzzle e salvar a vida do paciente. Inclusive já mentiu que havia observado o primeiro caso de partenogênese humana para salvar o relacionamento de um casal. Na política mesmo, apesar de acharmos todos os políticos corruptos (o que não é verdade), os dirigentes do país, numa crise, podem mentir dizendo ao povo que tudo ficará bem, mesmo eles não acreditando muito nisso, para que o desespero do povo não piore a situação.

No final das contas, penso que talvez devêssemos não condenar tanto a mentira, mas sim, como em Lie to Me, condenar as más mentiras. Uma coisa é uma mentira que pode salvar uma vida ou evitar conflitos desnecessários em relacionamentos pessoais, outra coisa é uma mentira voltada para a corrupção ou que pode levar alguém injustamente para a cadeia. Nesse ponto da leitura, alguns podem ainda ter um pezinho atrás com a mentira. Aqui, tento um último argumento: o personagem Eli Loker, de Lie to Me. Esse personagem é especial, pois ele sempre diz a verdade e isso nem sempre lhe rende bons frutos. O protagonista também evita apontar todas as mentiras da filha adolescente para não arriscar perdê-la. Acabo aqui por concluir que a mentira desenvolve uma espécie de controle social. Controle social não no sentido da manipulação, mas sim do controle positivo, de regulação, para que a sociedade não entre em conflitos desnecessários e destrutivos, como também para que possamos lidar melhor com nossos sentimentos e relacionamentos. Isso não significa dizer que a mentira é sempre boa, significa dizer que ela não é sempre ruim.

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Reflexões de esteira (ou "aforismos" de academia)

Ir à academia tem me inspirado várias reflexões. Acho que isso se deve aos quarenta minutos que fico na esteira, caminhando sem sair do lugar, observando e distraindo o pensamento. Aqui estão algumas reflexões surgidas na academia, principalmente na esteira:

- “Vou à academia por causa da minha saúde”, não raro, é uma afirmação meio-verdadeira.  O que mais nos anima a ir à academia são os resultados estéticos. Temos problema em admitir isso porque inventaram em nossos tempos que se preocupar com a beleza é futilidade.

- A primeira academia foi a de Platão. Lá se filosofava e faziam-se exercícios físicos. Diferentemente de nós, os antigos gregos não tinham problema em admitir que os exercícios físicos fossem uma educação para a beleza do corpo.

- Se na academia de Platão se filosofava e faziam-se exercícios físicos, acho que estou no caminho certo pensando essas coisas enquanto faço esteira.

- Nossa, que mulher gostosa!

- Einstein estava certo: A esteira da academia opera uma alteração no espaço/tempo: quanto maior a intensidade da corrida, mais demora a passar o tempo.

- Os espelhos da academia cumprem tripla função. A função pedagógica: ver se os movimentos dos exercícios estão sendo executados corretamente. A função narcísica: "nossa, olha esse meu bíceps definido, quero me pegar". E a função anti-narcísica: "Pqp, tô gordo ainda, preciso continuar vindo aqui".

- Quando estamos planejando fazer academia, logo pensamos: “vou malhar pra me diferenciar. Vou ficar sarado”. Ao entrarmos na academia, vemos tanta gente sarada que nos decepcionamos: “não vou me diferenciar de nada, vou ficar igual a todos aqui”.

- Parece que todo mundo sabe a melhor maneira de fazer musculação, até mesmo quem nunca foi na academia. Daqui a pouco vão dizer que malhar “não é uma ciência, é uma arte”.

- O dia que colocarem bicicletas ergométricas dentro da balada, estarão plagiando o spinning.

- Sexta-feira: “Uhul, perdi 400 gramas essa semana!”. Segunda-feira pós-ressaca: “Merda, ganhei 500 gramas”. Conclusão: “Ganhei 100 gramas desde a semana passada. Se eu não estivesse fazendo academia, teria ganhado 500 gramas!”.

- O adipômetro é o teste mais doloroso da academia, tanto fisicamente quanto simbolicamente. Estão beliscando e medindo suas dobras. Pense nisso.