sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Da mulher pura ao macho alfa

Em post anterior, dediquei atenção a critica do que chamei de “noção de mulher pura”. Em suma, falei sobre o papel que se cobra de uma mulher para que ela seja reconhecida como mulher ideal perante nossa sociedade. Tal papel foi muito mais forte no passado, todavia, hoje, ainda é possível ver pessoas, principalmente homens, cobrando tal papel das mulheres. Esse papel, que é construído socialmente, é naturalizado e, dessa forma, começamos a acreditar que aquilo que nós mesmos criamos como figura da mulher ideal é a essência da mulher. Por mais que nós, homens, hoje, possamos ver todos os dias que tal coisa quase não existe na realidade, até não desejando uma mulher assim, ficamos reproduzindo resquícios desse discurso de pureza. Um exemplo é quando dizemos: “Ah, aquela mulher é perfeita: madame na sociedade e puta na cama”. O que isso quer dizer? Quer dizer que tal mulher cumpre o papel cobrado perante a sociedade, de mulher pura, mas na cama ela não é a mulher pura, até porque nós, homens, não desejamos isso.

O papel ideal que construímos para a mulher pré-feminismo é o da “mulher pura”. Mulher ideal é mulher submissa, ingênua, virgem, reservada, sem nenhum traço de malícia ou sexualidade, intocada, tímida e etc. Algumas leitoras não conseguiram entender muito bem onde eu quis chegar, afirmando que eu estava condenando as mulheres puras que existem por aí, mesmo que sejam poucas. Não se trata disso, mas sim de criticar o ideal, o papel cobrado. Uma coisa é a mulher ser pura (e ela tem esse direito!), outra é ela não ser pura (maioria dos casos), mas ser cobrada para que seja. Se essa coisa de “mulher pura” quase não existe e, pior, só serve para submeter a mulher, pra que continuar com essa babaquice? É um ideal que nunca nos levou, e continuará não levando, para bons caminhos.

Podemos observar que (graças a Deus!) o feminismo acabou por questionar essa “essência” da mulher, esse papel ideal que construímos e cobramos das mulheres por muito tempo. Claro que, no frigir dos ovos, alguns feminismos foram por um caminho estranho, afirmando que se a mulher não tinha que cumprir o papel ideal de mulher pura (submissa), deveria na verdade cumprir o papel de homem e, então, deixar crescer pelos nas axilas e de maneira nenhuma se portar como objeto sexual. O feminismo inteligente trilhou por outros caminhos, que podemos observar por exemplo na recente “Marcha das Vadias: pelo direito de ser sexy”. Ora, qual o principal apelo desse movimento? Se as mulheres querem ser sexys, andar de saias e decotes, elas tem todo o direito de fazer isso e não serem culpadas por um eventual estupro. O criminoso é o estuprador, não a mulher sexy. O feminismo inteligente critica o ideal de “mulher pura”, mas não em favor de um ideal “mais correto”, nem mesmo dizendo que o certo é usar saia curta. O feminismo carrancudo, claro, não aceitaria a marcha das vadias e nem mesmo acha que uma mulher deva ser objeto sexual em nenhuma circunstância. Mulheres normais dão risada disso. Elas sabem que entre quatro paredes vale tudo desde que os que estão na sala concordem.

Muito recentemente, entrei em contato com um texto chamado Homens em Crise Emocional, do psiquiatra Claudio Pucci, disponível aqui. O psiquiatra e psicanalista nos mostra como os homens estão sendo cobrados para serem mais do que eles são, ou o que eles já não são. São cobrados para serem “alfas” (ser o macho excepcional, promíscuo, com desempenho sexual impecável, chefão). Esse texto me fez notar uma coisa muito interessante. Enquanto o papel de mulher pura foi criticado pelo feminismo e sofreu alterações as mais diversas, o papel (lembre-se que estamos falando em papéis, ideais construídos que não necessariamente correspondem com a realidade) do homem provavelmente não se modificou. Homem que é homem é o machão, macho alfa, aquele que manda, o chefe, que não liga pra nada. Tanto isso é verdade que as recentes, e não tão mais famosas, escolas de sedução, que renderam muito dinheiro a seus donos, pretendiam, através das experiências arrecadadas nas baladas, ensinar os homens como atrair mulheres ensinando-os como serem “alfas”.

O grande problema aqui é que assim como o papel de mulher pura não corresponde à realidade das mulheres, já hoje, após o feminismo, o papel do macho alfa está em crise. Se a essência do homem era ser alfa, e isso funcionava muito bem séculos atrás, quando o papel da mulher era ser pura, hoje, com a marcha das vadias, mulheres em cargos de diretoria e homens tendo que ser “donos-de-casa”, o resultado é homens em crise, com problemas psicológicos, de ereção e tendo que pagar terapeutas. Isso significa que as mulheres deviam recuar e voltar a serem "puras", deixando o homem ser o "alfa"? Não. Significa que os homens devem, agora, aceitarem serem os submissos por essência? Também não. Na verdade, significa que deveríamos,  homens e mulheres, esquecer um pouco os ideais e seus "devem ser" e começar a nos abrirmos para novas ressignificações a respeito do que seja o homem ou a mulher.

Ora, o que aprendemos com tudo isso é que essencializar o homem ou a mulher não é boa coisa. Não existe tal coisa como “o homem é isso” e “a mulher aquilo”. Quando fazemos isso, entramos no campo do “deve ser”, ou seja, no campo da cobrança: o homem de verdade deve (ou não deve) ser alfa e a mulher de verdade deve (ou não deve) ser pura. Claro que, se fizermos uma pesquisa, provavelmente teremos algum consenso em cima do que a mulher acha que o homem deveria ser e vice-e-versa; mas isso não significa que há essência do homem, pois esse consenso é rompido de tempos em tempos e, além disso, possui muitas exceções. O que temos não são homens e mulheres homogêneos, mas sim comportamentos diferenciados e individualidades.

Cada um de nós é uma rede que vai sendo tecida ao longo de nossas vidas, construindo individualidades e comportamentos diversos. O que é importante é que homens e mulheres, após esse longo debate, não cobrem do sexo oposto, ou de si mesmos, o que eles não querem ser. Que, se for o caso, as mulheres tenham o direito de ser Bibi's (alfas, casando de vermelho) e os homens, Douglas (puros, casando de branco!).