sábado, 19 de novembro de 2011

Esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda, direita... Marcha!

Peço aos leitores das diversas posições políticas que, ao ler esse texto, tenham paciência comigo e considerem a argumentação seriamente. Não leiam a palavra “esquerda” ali, ou “liberal” e saiam correndo.

Eu me considero “de esquerda”, todavia de uma esquerda mais no sentido norte-americano do termo: “liberal de esquerda”. Acredito que as liberdades individuais (algo tão caro aos liberais) são uma conquista que não devemos, e nem queremos, abrir mão. Mas essa conquista não pode prescindir da noção de Justiça Social. Acredito no Welfare State .  Mesmo assim, isso não quer dizer que eu compre, incondicionalmente, todas as brigas dos “liberais de esquerda”. Há boas críticas feitas pelos comunitaristas, por exemplo, que atacam o que o liberalismo nos trouxe de pior: o tal do individualismo. Também não quer dizer que, apresentado a outras perspectivas, eu não venha a considerar que o Estado de Bem-estar social, em contextos diferentes, possa se tornar uma grande bosta, fracassar. Isso porque, antes de tudo, eu sou um iniciante na filosofia pragmatista. Levo muito a sério Richard Rorty quando esse argumenta que a filosofia não pode se pretender fundacionanista, e que a democracia, como “projeto” político, não precisa estar fundamentada pela filosofia, pode ser uma noção contingente de um mundo melhor, inclusivo. Além disso, há algo na esquerda que simpatizo muito: a transformação social. Mas, há algo também no conservadorismo de Durkheim e Toqcueville, que não quero deixar de lado: a de que as transformações sociais são graduais, “orgânicas”, e não frutos da revolução.

O que vou defender aqui nesse texto é que o debate político brasileiro, conforme ele se dá na academia, ou nas ruas, dificilmente abre espaço para pessoas como eu. Por quê? Porque é um debate que dificilmente consegue escapar de encaixar os discursos na caixinha ou dos “comunistas”, ou dos “fascistas”. Claro, eu não falei que me considero “de esquerda” à toa.  Considero que a divisão do espectro político em direita e esquerda ainda funciona, pois nos diz alguma coisa sobre os pensamentos e discursos políticos. Entretanto, um enorme problema surge quando levamos a sério demais essas categorias, esquecendo que elas são como os tipos ideais weberianos, que não se encontram de forma pura na realidade e por isso a complexidade a ser considerada no debate político conforme as pessoas o fazem em seu cotidiano é muito maior, e começamos a tomá-las de maneira maniqueísta (bom e mau). É nesse momento que as categorias, as caixinhas que criamos somente para poder compreender melhor como se dá a coisa, tornam-se mecanismos para taxar pessoas de “comunistas” ou “fascistas”.

Qual o problema da “taxação”? Ela tem como consequência as estigmatizações. E o estigma, aquela imagem que imputamos ao outro, faz nada mais, nada menos que tornar o outro invisível, já que a imagem que fazemos dele é o próprio estigma que jogamos sobre ele. Nesse momento, se joguei sobre o outro o estigma do “comunista”, ou do “fascista”, como se ser “de esquerda” ou “ser conservador” fosse necessariamente ser incondicionalmente bom ou mau, o que fiz também, por tabela, foi algo que a democracia, que é inclusiva e tem o diálogo como característica inerente, não pode admitir: inviabilizei o próprio diálogo. Cito exemplos.

Tema do aborto: No ano passado, a esquerda (categoria, eim!) argumentou em favor da descriminalização do aborto tendo-se em vista a questão da saúde pública e da liberadade da mulher sobre o próprio corpo. Houve um contra-argumento da direita que foi o seguinte: a esquerda sempre teve como debate a questão dos direitos fundamentais. Ora, e o direito fundamental à vida? Como determinar se um feto é vida ou não? Pelo desenvolvimento de certos órgãos? Nós acreditamos que a vida começa na concepção e, por isso, o feto não é uma extensão do corpo da mulher, mas uma vida, e o aborto, então, é crime". A esquerda levou em consideração isso? Não que eu lembre. Somente ficou ridicularizando as posições religiosas. A mesma coisa ocorreu com o debate do crime de ódio ao homossexual. Um argumento muito peculiar veio da direita, o qual não podemos ignorar: "um 'crime de ódio', ou o assassinato de um homossexual, é um homicídio como qualquer outro, baseado na premissa de que todos são iguais perante a lei". Eu discordo disso, mas pra isso eu tenho que dialogar, contra-argumentar. Chamá-los de “fascistas”, tornando-os invisíveis, a meu ver, quando um argumento desse é colocado, é jogar antidemocraticamente.

Eu discordo da direita sobre o crime de ódio, mas para isso tenho que debater, pois o argumento não foi bobo. Menos bobo ainda foi o argumento relacionado à vida do feto, o qual me sinto inclinado a concordar. Mas, e aí? Tendo em vista essas questões, diante de uma audiência de “esquerda” ou “direita”, aqui no Brasil, eu estaria no limbo. Uma, em algum momento, me chamaria de “comunista”, e a outra, de “fascista”, sem ao menos levar em consideração que os argumentos são legítimos, racionais, e que numa democracia o diálogo é algo inerente. Sem diálogo, como podemos falar em democracia? Sem diálogo, o que há é a imposição de uma ou outra perspectiva, e isso conhecemos bem. Chama-se autoritarismo.