domingo, 16 de junho de 2013

Anonimato - A faca de dois gumes


Eu gosto quando o Anonymous, com seu conhecimento, quebra regras injustas e trabalha em prol do povo. Acho louvável a intenção do movimento e seu mérito. Agora, eu não posso deixar de pensar que esse movimento tem reunido duas coisas que, juntas, podem ser perigosas: poder e anonimato. 


Já que falar de Anonymous remete ao Fawkes e ao "'V' de Vingança", para tratardessa questão citarei aqui um outro quadrinho, Watchmen: "Who will watch the Wacthmen?". A frase é uma referência ao "Quem vai vigiar o vigia?". A questão é: tendo o vigia um poder nas mãos, quem irá vigiá-lo para que não cometa abusos?

Não foi à toa que Montesquieu separou o Poder Absoluto em Três Poderes. Ele o fez para que os Poderes pudessem se vigiar entre si e, então, houvesse algum tipo de auto-regulação. Na prática, sabemos, não se mostra eficiente sempre, mas já é melhor que absolutismo.

Explicado isso, vamos ao ponto que quero chegar: é difícil negar que o Anonymous, pelo seu conhecimento da rede e sua capacidade de ataques cibernéticos, não tenha um poder considerável nas mãos. O problema é que, detendo esse poder e sendo composto por anônimos, quem é que vai vigiar o vigia? Ou melhor, quem é que vai vigiar o vigia anônimo?

Nossa relação com o Anonymous tem sido constituída por pura fé. Acreditamos que seus membros, os que realmente são ativos nos ataques e etc., são éticos e lúcidos o bastante para quebrar apenas regras injustas. Temos a mesma relação de fé que a população, no Watchmen, tinha com os vigilantes, os Watchers. Porém, e se um dia uma regra justa for quebrada? E se esse poder passar dos limites? E se houver um abuso? Vamos responsabilizar quem, a máscara do Fawkes? A questão, então, passar a ser: vale o risco ter um movimento assim? A pergunta está em aberto. Talvez a história venha a nos responder melhor.

PS: Sei que, ao ler esse texto, alguns entusiastas do movimento irão me taxar de diversas coisas, me colocar num caixinha discursiva de "conservador" e fingir que não ouviram; mas isso não apaga a questão de filosofia política que estou propondo e não faz sumir os riscos do anonimato aliado ao poder. É pra se pensar...

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Gosto também é educação


Por anos toquei guitarra, até que um dia, por necessidade, comecei a estudar o contra-baixo. Nunca tinha prestado muita atenção no papel do baixo na música. Foi o estudo e a pratica que me fizeram educar o meu ouvido para prestar atenção em cada nota e em cada cadência daquele grave instrumento. 

Foi aí que comecei a entender a função rítmica e de harmonia do baixo. Não virei um bom baixista, mas agora eu aprecio o contra-baixo muito mais que antes. O mesmo me ocorreu com relação ás cores e á moda: eu comecei a treinar meu olhar como treinei meu ouvido.

Quando se fala em educação do gosto, é disso que se está falando. Não de uma dogmatizacao, mas sim de uma capacitação estética. É difícil saber apreciar um vinho, curtir jazz, ou fruir um quadro sem o treino dos sentidos.

A escola tem parte importante nesse tipo de educação estética: ela nos treina para a apreciação da literatura, por exemplo. 

Quando a escola vai mal, o gosto do país vai mal não porque curte Michel Teló, mas sim porque, incapacitado, ele não é capaz de curtir outra coisa, dado que fica muito limitado. É aí que o pianista é agredido na escola pública.

sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Estranho Caso do Menino Marcelo

Neste fim de semana, minha irmã contou-me um estranho fato o qual presenciou e que irei narrar aqui. Para ser sincero, não narrarei o fato em si, mas sim uma ficção que eu mesmo criei sobre ele, só porque assim acho mais bonito. Fica mais literário. Decidi antes contar uma estória baseada em fatos reais, do que a história dos fatos reais, seja lá o que isso signifique. Fi-lo por puro capricho.

Contarei aqui o estranho caso do menino Marcelo; nome também fictício e dado por capricho. Não poderia ser diferente. Aliás, esse nome escolhido por mim não tem nenhum significado especial; apenas foi o primeiro que me surgiu à cabeça. Talvez no inconsciente se encontre um esquisito enredo para essa minha escolha, mas como não quero mais cansar o leitor com tantas delongas, vamos em frente.

Marcelo tinha 15 anos e era um típico garoto de classe-média alta do interior do Paraná: ambicioso e um pouco ingênuo (conheço bem essa estranha mistura, dado que, como ele, também sou do interior). Nascido e criado na cidade de Pitangueiras, o garoto foi fruto de uma estranha mistura da moral do campo com o amoral (não imoral!) universo online, das novas tecnologias. 

Por isso, mesmo que Marcelo tivesse um íntimo contato com o “mundão lá fora” através da internet, ainda preservava alguns valores da boa e velha tradição. Meio que romântico, não acreditava no caos, essa mesquinharia soberba das grandes cidades; acreditava mesmo era no destino. Particularmente, acreditava na relação entre o destino e o amor; que de alguma forma as forças do tempo eram românticas e trabalhavam para que nós nos encontremos com nossas almas gêmeas. Mal sabia ele que justamente esses dois deuses, o amor e o tempo, em forma de destino, viriam, mais tarde, lhe passar a perna.

É que o adolescente Marcelo, sabe-se lá por quais contingências históricas, se tornou uma celebridade do Instagram (tenho uma teoria da contingente construção das famas nas redes sociais, mas que fica para uma próxima oportunidade). Foi na sua fama que o garoto conheceu Daniela (outro nome escolhido sob o critério caótico do meu inconsciente), menina muito formosa, do Rio grande do sul, 15 anos também. Ela era uma celebridade virtual, como ele. 

Tomando a iniciativa, certo de que o destino teceria seu enredo romântico, não demorou para que Marcelo começasse um relacionamento online com Daniela. Flechado por Eros no contrapé, o piá ficou enfermo de paixão, se me perdoem o pleonasmo. E por seis meses, Daniela e Marcelo namoraram de tecla em tecla, de clique em clique. Alguns amigos preocupados lhe questionaram se ele tinha certeza de que aquele romance era verdadeiro, questionaram até mesmo se Daniela existia. Lúcido e clarividente na medida do possível para um apaixonado, o garoto os respondia: “parem com isso, eu já vi ela em vídeo. A gente se fala por telefone todo dia!”. Convencidos momentaneamente, seus amigos, então, davam de ombros e mudavam de assunto.

Tudo corria muito bem na vida do nosso protagonista, até que um dia, como de costume para a família do jovem paranaense, ele foi passar uns dias em Curitiba. Já na cidade, fez o de sempre: passear no shopping com alguns amigos da capital, praxe para nós, meninos do interior. Bastaram apenas algumas voltas entre as vitrines quando, chegando à praça de alimentação, avistou uma loirinha muito peculiar. Parecia Daniela. E como quem belisca um pedaço de bolo apenas para depois repetir a beliscada, resolveu dar uma segunda olhadela, de longe, e percebeu que a guria parecia muito com sua amada, mais do que ele imaginava num primeiro momento. 

Borboletas começaram a voar em seu estômago e, então, ele resolveu checar mais de perto: a partir daquele momento, a extrema semelhança da garota com sua namorada começou a lhe parecer até estranha. Depois de alguns instantes, passou até mesmo a reconhecer que se aquela garota não era sua namorada virtual, então só podia ser um clone, uma irmã gêmea perdida. Talvez o destino as tivesse separado ainda no berço, e seria ele a encontra-la, vai saber...

Perguntou aos seus amigos se eles tinham a mesma impressão, de que aquela menina era muito parecida com Daniela, e todos disseram que sim. Com essa checagem final, que mais lhe soou como um aval, já suando frio e com tremores nas mãos, ele resolveu se aproximar. Aquela poderia ser a própria Daniela, seu amor nunca visto presencialmente. Apesar do nervosismo, uma felicidade imensa tomou conta dele: era, mais uma vez, o deus tempo com o cajado do destino lhe sorrindo. Encontrar seu amor ali, num passeio ao acaso em Curitiba? Que história, que romance!

Aproximou-se, então, da menina e de seu grupo de amigas e perguntou, meio sem jeito: “Daniela?”. A menina não respondeu, parecia nem ter ouvido. Então ele insistiu “Você se chama Daniela, não é mesmo?”. A menina fez cara de estranhamento e se recolheu um pouco. Parecia com medo. Uma amiga dela então respondeu: “Não, o nome dela é Bruna”. 

“Como assim”, perguntou Marcelo, já meio atordoado com aquela pancada em forma de resposta. “Seu nome é Daniela, você tem 15 anos. Tenho aqui suas fotos, seus vídeos, no meu celular... Nós namoramos há seis meses”, insistiu. Então, a amiga da garota, já boquiaberta, pegou o celular de suas mãos trêmulas, olhou, e lhe respondeu: “Essas realmente são as fotos e os vídeos dela, mas o nome dela não é Daniela, é Bruna. Ela tem 12 anos”. Ele não podia acreditar. Deu mais uma olhada na menina recolhida de medo, sua suposta namorada, e ficou sem palavras por alguns segundos.

Foi então que, como uma cortina que se abre de manhã num dia de chuva, onde se vê a luz, mas a estética lá fora decepciona, Marcelo, de um só golpe, numa lógica abdutiva, entendeu tudo: Daniela não existia, ao menos não fora da internet; era apenas um fake, apenas outra garota que, sabe-se lá por qual motivo, roubou a identidade dessa recolhida e assustada menina de 12 anos que estava na sua frente agora. 

Como pode? Seis meses conhecendo uma pessoa, se relacionando amorosamente com ela, para no final descobrir que ela nunca existiu? Se bem que esse fenômeno, o de amar uma pessoa que, enfim, se descobre que nunca existiu, não é bem uma particularidade da internet, mas sim da vida.

Contudo, pensando no que o destino havia lhe reservado agora, Marcelo não conteve as lágrimas e chorou ali mesmo, na frente de seus amigos e da ideia de sua ilusória namorada, que esvaneceu. Não podia mais acreditar no romântico tempo com seu cajado do destino, mas, ao mesmo tempo, não podia acreditar no caos, visto que tudo isso, esse particular arranjo de ocorrências, era estranho demais para ser apenas uma coincidência. Encontrar em Curitiba a garota que inspirou a identidade de sua namorada fake, que vivia no Rio Grande do Sul, era demais pra ele. O pior de tudo era ver ela ali, mas não ser ela; ser apenas uma menina de 12 anos assustada. 

Ficou bravo com o tempo e queria deixar de acreditar no destino, mas não podia.  Deveria continuar acreditando no cajado do destino que, por um tortuoso caminho, se mostrou não como destino romântico, mas sim como destino trágico. Seria um caos arrumadinho demais para engolir.

Vai saber, às vezes é preferível a incerteza do acaso às garras certeiras do destino; principalmente se esse tem um péssimo senso de humor. Édipo soube disso como ninguém! Ah, Marcelo, Marcelo... que estranho (a)caso esse seu!

quarta-feira, 29 de maio de 2013

As Tatuagens, Eu e a Filosofia


Sempre gostei de tatuagens, principalmente em mulheres, acho que algumas mulheres ficam muito sexy com desenhos em seus corpos. Mas sempre que pensei em fazer uma tatuagem em mim mesmo, fiquei estagnado: que desenho fazer? 


É que sempre pensei a tatuagem como um símbolo que eu gostaria de marcar no meu corpo porque acreditaria que ele sempre teria valor pra mim. Uma marca eterna para um valor eterno. O problema é que não consigo pensar em nada desse tipo. Quero dizer: até consigo pensar em coisas que tem grande valor para mim hoje, mas a falta de certeza de que daqui há dez anos eu olhe para o símbolo e aquilo já não tenha mais nenhum valor me deixava sem opções, estagnado.

Eu achava que esse tipo de indecisão me aproximava do que o filósofo Richard Rorty chamou de ironista, já que eu não conseguia me decidir por uma tatuagem por causa da crença de que não havia nenhum valor que não estivesse sujeito ao tempo; mas me enganei. Esse tipo de indecisão ainda me deixa com um pé na metafísica: é que mesmo que eu tenha na minha cabeça a contingência dos meus valores, quando vou fazer uma tatuagem, ainda busco algo metafísico, algo que com certeza sobreviva ao tempo, eterno e por isso deixo de fazer a tatuagem. 
Talvez, se eu aceitasse a contingencia da minha tatuagem assim como Freud aceitou as contingencias das marcas que formam a subjetividade, eu faria uma tatuagem sem me preocupar tanto com o valor dela no futuro, mas sim aceitando ela como uma marca contingente que, como tantas outras, fará parte de mim, da minha história. Posso fazer uma tatuagem não pensando num valor eterno, mas perene, que tente sobreviver ao tempo mas que, caso não sobreviva, e daí? E daí se a tatuagem não tiver qualquer valor, ou significado que se pretenda eterno?

Nesse caso, minha atitude para com essa tatuagem no futuro, caso ela venha a perder valor, ou adquirir outro, poderá ser não a da indiferença, ou do arrependimento, mas a do riso. Aí sim estarei mais distante do metafísico e mais próximo do ironista: aceitarei não só a contingência dos meus valores, como também poderei rir deles no futuro, rir da minha história, das minhas marcas, rir de mim mesmo.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Os três cavalheiros


Dado o texto do portal Papo de Homem contra o cavalheirismo, acho bom ver que há mulheres discordando que o cavalheirismo seja necessariamente uma forma de opressão contra a mulher. Creio que isso é sinal de que elas veem o cavalheirismo como eu vejo. O cavalheirismo não pode ser definido como o comportamento machista que se veste de cavalheirismo.

Para tentar mostrar como alguém pode ser cavalheiro sem ser machista, traço a figura de três cavalheiros, baseados no uso que fazemos da linguagem no cotidiano:

O gentleman: o primeiro cavalheiro seria gentil com todos, mas principalmente o que considera "mais fracos", seria o que se chama de gentleman (cavalheiro/homem-gentil). Sua gentileza direcionada às mulheres se baseia empiricamente no pressuposto de que, por regra, as mulheres tem menos força física. Além disso, suas atitudes são guiadas pela ideia de cortesia. Mulheres, crianças e idosos sempre em primeiro lugar. Nesse caso, uns diferenciam “cavalheirismo” de “gentileza”. Acho essa distinção inútil tanto pela história do termo cavalheirismo (gentleman), como também porque é melhor diferenciar machistas de cavalheiros (gentleman), que gentileza de cavalheirismo. Cavalheirismo, aqui, é gentileza! É uma descrição do comportamento gentil do homem que é um gentleman. O gentleman não deixará de ser cortês até mesmo com um amigo homem.

O sedutor: o segundo cavalheiro é guiado pelo cortejo típico da sedução. O ato dele tem pouco a ver com gentileza, dado que não tem a ver com a cortesia no sentido do gentleman, nem mesmo com a compensação ou equidade, mas sim com a sedução. Ele entende que certos cuidados para com a pretendente fazem parte do ritual do cortejo: sempre tomar a iniciativa, fazer questão de pagar a conta, se responsabilizar pelos atos de sedução. Chamamos cotidianamente esses atos de "cavalheirismo". Aqui, alguns dizem que sedução seria diferente de cavalheirismo, porque no cavalheirismo, supostamente, o homem faria isso tudo e acharia que a mulher é obrigada a fazer sexo com ele. Eu digo o contrário: se um homem acha isso, então ele não é cavalheiro, nem sedutor-cavalheiro, aí sim ele é machista. Um cara pode ser um cavalheiro-sedutor, aquele que segue o ritual de cortejo que citamos aqui, e ainda sim respeitar o desejo da mulher. Há mulheres, hoje, que já não se sentem atraídas com esse tipo de cortejo, mas isso não torna esse cavalheiro machista se ele respeita o desejo da mulher.

O bom amante: o terceiro cavalheiro tem seu comportamento direcionado à mulher amada. Ele entende que amor é cuidado e, por isso, gosta de mimar a amada, no bom sentido. Por isso, gosta de ser especialmente gentil com ela (especificamente com ela, dado que é seu amor) e antecipar seus desconfortos. Nesse caso, já ouvi que a opressão está em criar uma “mulher dependente”. Acho essa conclusão bem precipitada também. O cuidado é inerente ao amor, e a relação de dependência entre amantes também. Amor parece ser isso! A diferença é que a dependência na opressão não é consensual, já a dependência no amor é, inclusive, até desejada pelos que se amam. Sendo assim, o cavalheirismo aqui é quando vemos um casal que se ama e o homem é especialmente gentil com sua mulher: ele não é necessariamente gentleman, pois não é assim com todos, nem mesmo querendo ser sedutor, pois não está no cortejo; mesmo assim, dizemos: "que cavalheiro que ele é com a esposa!".

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Blaise Pascal e Super Mario Bros: a condição humana


Acabei de ler um artigo sobre as "18 coisas que pessoas que não jogam vídeo games jamais entenderão sobre games". Uma espécie daquelas listas divertidas que se fazem sobre temas gerais. Só que teve um item que me chamou muito a atenção. Trata-se de uma passagem que qualquer um que já tenha jogado o clássico Super Mario Bros conhece. Você passa por algumas fases, chega no castelo e pensa que vai salvar a princesa, mas aí você acaba salvando alguns cogumelos e eles te dizem: "Obrigado, Mário, mas a nossa princesa está em outro castelo" e então o ciclo se repetirá no próximo mundo, digamos. A IGN, portal que publicou o artigo, então nos diz que os não-gamers jamais vão entender como essa frase, dos cogumelos, é uma frase sobre a condição humana.

Achei isso interessante, pois, de uma certa perspectiva, alguns filósofos já falaram sobre essa mesma condição humana, o que mostra um bom preparo da redação do portal. Um desses filósofos foi Blaise Pascal (sim, do triângulo!). Pascal foi um filósofo que colocou o ser humano numa espécie de movimento incessante pela busca da felicidade plena, ou seja, do infinito. O ser humano aspira o infinito, só que, quando olha para si mesmo, não vê nada, apenar um vazio, percebe apenas sua finitude e, então, se dá conta de sua própria miséria. O recurso utilizado pelo ser humano, então, para não pensar em si, para se distrair do pensamento de sua finitude, seu vazio, sua morte, é o que ele chama de "divertimento" (divertissiment). E o que é isso? Qualquer coisa que o distraia de pensar em si mesmo e, então, de se sentir miserável ou entediado. 

Por isso, os seres humanos, nos dirá Pascal, se colocam nos mais diversos tipos de atividade, colocam para si os mais diversos tipos de objetivos que, se alcançados, eles pensam que serão plenamente felizes com isso. O problema é que, alcançado o tal do objetivo (ganhar o jogo de futebol, caçar o animal "x", ser rico, casar, conseguir acertar o próximo passo de dança...) o homem não se vê plenamente feliz, ele se pega vazio novamente, entediado, miserável e, então, procurará outra atividade, outro objetivo, outra pequena felicidade que parece plena, isso num movimento circular até sua morte, com vistas a ser o menos miserável possível.

Bem, e o que isso tem a ver com Super Mario Bros? Ora, se o ser humano almeja a felicidade plena, o infinito, Mario almeja salvar a princesa. Ela é sua felicidade plena, seu infinito. O problema é que sempre que ele passa por muitos inimigos e obstáculos para finalmente alcançá-la, a princesa se perde; assim como o homem que se coloca num "divertimento" achando que irá alcançar a felicidade plena ao realiza-lo, mas, quando o realiza, se pega vazio de novo. É como se sempre que Mario achasse que alcançou a felicidade plena, salvou a princesa ao vencer o castelo, surgissem os cogumelos e dissessem pra ele: "sinto muito, mas o infinito não está aqui, procure em outro castelo". A busca de Mário para salvar a princesa acaba sendo o seu "divertimento", pois, ao alcançar a princesa, a felicidade plena, ele percebe que não a alcançou, que ela está sempre em outro lugar e a busca continua.

E como se supera isso? No caso de Mario Bros, efetivamente salvando-se a princesa ao se zerar o jogo. Depois de buscar, buscar e buscar, uma hora ele salva a princesa. Seria como pensar que nós, seres humanos, vamos buscando a felicidade plena e, depois de muito fracassar, uma hora vamos conseguir. No caso de Pascal, ele nos dirá que somente através de Deus, ou mais especificamente, de Cristo, é que o homem atinge a felicidade plena, a beatitude. De toda forma, essa é a condição humana de Pascal e Mário Bros.

Sobre o tédio


Quando não nos admiramos com mais nada, o tédio virou regra.


Pascal dizia que um Rei não se aguentaria sozinho num quarto. Mesmo sendo a pessoa mais poderosa de todo o reino, ele, sozinho, se entediaria.



Hoje somos todos reizinhos, e somos mais reizinhos ainda na internet. Tira-nos nossos súditos online, cortando nossa internet, e ficamos tal qual o Rei de Pascal: sozinhos num quarto e entediados. 

Dizem que a felicidade plena traria o tédio. Ora, mas nem somos plenamente felizes e andamos entediados do mesmo jeito. Antes ser um entendiado que experimentou a felicidade plena.

Creio que a tecnologia pode ter nos trazido tantas felicidades e surpresas diárias que, viciados nisso, desenvolvemos um tédio de difícil tratamento.

Há uma sabedoria em ditados populares. Entendo que “procurar sarna para se coçar” é um sinal de que às vezes qualquer pequeno sofrimento é preferível ao tédio.

Existe tédio bom? Não sei dizer. O tédio é uma tortura: um sofrimento que diante da possibilidade de cessá-lo, é capaz de tornar outros sofrimentos atraentes.

Numa sociedade entediada, os estimulantes são sucesso de venda. Estimulantes num sentido amplo: até sonífero se toma para estimular o sono.

O que é a balada senão um coquetel de estimulantes, em dose semanal e cavalar, para o jovem entediado crônico?

O tédio é uma coisa tão ruim que, quando entediados, podemos até virar imbecis. 
Qual seria a melhor explicação de certas imbecilidades, e até maldades, senão a popular: “não tem o que fazer!”.

Dizem que a ociosidade é necessária à reflexão. Mas se se fica muito ocioso, o tédio baterá à porta, e a partir daí as reflexões que virão não serão mais suas, mas do diabo; afinal a “cabeça vazia é oficina do diabo”.

Curtir a preguiça e a ociosidade é bom, até que o tédio resolva dar as caras. Pergunte a um aposentado!

O que você queria ser quando crescesse?


Eu sempre ouvi histórias de crianças que, quando perguntadas o que querem ser quando crescer, dizem coisas como: astronauta, médico, atriz, bailarina... Não sei até que ponto elas realmente respondem isso, o que eu sei é que se isso é verdade, meu caso com certeza foi anômalo. 


Tudo bem que certa vez, quando pequeno, uma professora me fez essa pergunta e eu respondi “astronauta”. No entanto, fiz isso simplesmente porque achava que era aquilo que ela queria ouvir. A verdade é que eu nunca quis ser astronauta, fantasiei muito pouco sobre isso.

Meus pais sim sabiam qual era a resposta verdadeira da pergunta de minha professora, pois houve uma época da minha vida, quando pequeno, que eu dizia insistentemente que queria ser frentista. Isso mesmo, frentista de posto! Uma vez, meu pai, para tirar uma onda com um colega que trabalhava no posto de gasolina, me fez essa pergunta na frente do amigo. Obviamente que, como criança, eu respondi sinceramente e eles riram. Depois disso, o frentista me disse: “Você vai ser, no mínimo, gerente do posto um dia, moleque!”. 

Todavia, o que ninguém nunca me perguntou era o porquê eu insistia na ideia de trabalhar num posto de gasolina. Na época, talvez nem mesmo eu soubesse responder a isso muito bem. Mas, me lembrando do que eu sentia quando pequeno, sei o motivo pelo qual a minha antiga fantasia mais tinha a ver com a Esso do que com o espaço sideral.

Acontece que uma das coisas que eu mais gostava de fazer quando criança era viajar, principalmente de carro com meus pais. Íamos de Foz do Iguaçu a Ponta Grossa, ou a Curitiba, visitar meus avós, quase sempre pegando a estrada de madrugada. O momento que o carro entrava na rodovia, pra mim, era sempre de muita ansiedade, expectativa e felicidade. Momento que alcançava seu ápice, sabe-se lá por qual motivo, justamente quando o velho Santana do meu pai parava num posto de beira de estrada para abastecer.

Quando o carro embicava no posto e eu sentia o cheiro de gasolina na madrugada fria da BR-277, sabia que aquele momento feliz era de verdade. O frio, o vazio da estrada escura e o cheiro do posto se tornaram, por uma estranha associação, um sinal material da minha felicidade. Naquele momento, no posto, vendo os frentistas agasalhados na madrugada, trabalhando no meio da estrada e sentindo sempre aquele cheiro, eu os invejava. 

Talvez por isso mesmo eu fantasiasse ser um deles. Pois queria passar uma eternidade preso naquele momento, naquele lugar. Imaginava poder gastar uma vida no meio da estrada, sentindo o cheiro de gasolina e apertando o gatilho da bomba. Eu queria ser um frentista, então, porque pra mim aquilo significava estar sempre durante uma viagem, na parte em que eu me sentia mais feliz, no meio da estrada.

domingo, 26 de maio de 2013

As mulheres e os botões da camisa



Existe uma particularidade nas roupas femininas, algo simples, mas que acaba passando despercebida por muita gente: os botões ficam no lado esquerdo de quem veste, o inverso das roupas masculinas. 


O motivo? Aprendemos pela história. Há alguns séculos atrás, as mulheres não se vestiam sozinhas. Quem as vestia eram as servas e, por isso, para tornar o abotoamento mais fácil na perspectiva de quem veste o outro, os alfaiates “invertiam” o lado dos botões.

A relação de servidão, aqui, se destaca com a serva; mas gostaria de enfatizar também a particular servidão da mulher nobre. Afinal, a serva, apesar de abotoar sua senhora, ao menos tinha a autonomia de se vestir sozinha, já a nobre senhora não.

A servidão da primeira é de um tipo, pois ela tem que abotoar a camisa do outro, mas, estando sozinha, consegue se vestir; já a servidão da segunda é de outro, pois, sem serva, não consegue se vestir sozinha, não tem autonomia e, então, é serva das circunstâncias: sem os outros para lhe vestir, ficará pelada.

Por isso, acredito que a inversão dos botões é uma marca da servidão num sentido amplo: a relação de servidão, aqui, dá à serva a escravidão diante da sua senhora, e a escravidão da senhora diante de si mesma, dado a sua impotência perante o mundo.

Pensando sobre tudo isso, criei a hipótese (fictícia, mas bela ao meu ver) de que uma das rupturas históricas em prol da liberdade da mulher foi quando a primeira serva resolveu não abotoar sua senhora; e a sua senhora, por sua vez, aprendeu, mesmo que bom o botão invertido, a se vestir sozinha. Deve ter sido numa fatídica manhã de domingo no século XVII. Por uma contingência qualquer, num alvorecer de ressaca pós-baile de máscaras, isso se deu: um magnífico caso de dupla ruptura, onde tanto serva como senhora se viram, ao menos momentaneamente, livres.

Hoje, claro, as mulheres não possuem mais servas que as vistam (ao menos a maioria), e os botões continuam do mesmo lado que estavam no século XVII, ainda que seja “menos ergonômico” desse jeito. Alguns de nós, homens, podemos até brincar que assim fica mais fácil de despi-las (mesmo que o sutiã continue a ser uma espécie de sudoku para alguns principiantes!). 

Mas, brincadeiras à parte, mesmo com a falta de ergonomia e dispensando-se a servidão, as mulheres, hoje, se vestem a si mesmas com orgulho, pois conquistaram essa autonomia: não precisam vestir outras mulheres como servas e, ao mesmo tempo, sabem vestir a si mesmas.

Essa luta, das mulheres, tem muitos botões pra contar.