quinta-feira, 17 de março de 2011

Sócrates: o primeiro troll da história?

Após o último post, algumas pessoas vieram me pedir um maior esclarecimento sobre Sócrates. Ainda não conseguiam entender como Sócrates, em sua postura do suposto “Só sei que nada sei”, não estava sendo humilde. Ora, para perceber como a postura de Sócrates nada tinha a ver com humildade basta saber duas coisas: a noção de humildade, que é cristã, só surgiu séculos depois de Sócrates; e, além disso, sua própria história e filosofia apontam para uma postura inteligente e até orgulhosa, não humilde. Sobre esse último aspecto,  histórico e filosófico, iremos tratar agora.

Boa parte do que nos é passado sobre Sócrates vem pela boca de Platão, seu discípulo. Não há nenhum registro de que Sócrates tenha escrito algo especificamente sobre sua filosofia. Por isso, alguns estudiosos, por perceberem que seria complicado distinguir o Sócrates histórico do Sócrates personagem de Platão, costumam conceber o Sócrates histórico como aquele que seus diálogos terminam em aporia, em impasses. Ou seja, o Sócrates histórico não dá respostas sobre as perguntas que faz, diferentemente do possível Sócrates personagem de Platão, que trabalhava com a maiêutica (parto) das respostas a partir de si mesmo, tendo uma conexão com o inscrito no Oraculo de Delfos, “Conhece-te a ti mesmo” (Essa frase não é de Sócrates).

Como Platão nos apresenta Sócrates? Principalmente através dos diálogos. Platão tem uma obra extensa composta por diálogos em que seu mestre participa, conversando com diversas pessoas sobre questões ético-morais. A grande história de Sócrates nos é apresentada na Defesa de Sócrates, onde Platão nos apresenta a defesa que Sócrates fez de si mesmo em seu julgamento. Sócrates foi acusado por alguns cidadãos sobre a asserção de que ele corrompia os mais jovens e cultuava novos deuses. Ali, em sua defesa, Sócrates conta sua história explicando o porque se tornou tão odiado na cidade pelos seus acusadores. Conta que, certa vez, seu amigo Querofonte foi ao Oraculo de Delfos e se atreveu a perguntar se havia alguém mais sábio que Sócrates. Lá, recebeu a resposta de que não havia.

Ao receber essa notícia do amigo, Sócrates conta que ficou intrigado, que precisava interpretar essa mensagem dos deuses e, para isso, procuraria por vários cantos pelos conhecidos sábios para provar ao deuses que ele não era o mais sábio. Ao chegar a cada local, Sócrates perguntava pelo mais sábio e começava um diálogo com ele. Acabou concluindo que, de fato, era mais sábio que todos eles. Chegou a essa conclusão porque perguntava, geralmente, sobre questões ético-morais (o que é a justiça? A piedade?) e colocava todos os supostamente sábios em contradição. Ora, Sócrates reconhecia que nada sabia sobre o que perguntava (por isso “Só sei que nada sei” é uma frase muito geral para o que temos de Sócrates), os sábios não reconheciam isso, apenas pensavam que sabiam, e, ao menos nisso, Sócrates viu que era mais sábio que todos eles. Para Sócrates, sobre suas questões, somente os deuses poderiam saber. Por isso mesmo, no diálogo Fedro, Sócrates afirma que a denominação “sábio” (sophós) cabe somente aos deuses; o homem só pode ser filósofo (philósophos), aquele que é amante, ou amigo, da sabedoria.

Confesso que é engraçado ler alguns diálogos de Sócrates. No que reconheceríamos hoje como uma aparente humildade (mas que não é humildade!), Sócrates fazia suas perguntas, brincava, ironizava e, no fim das contas, era muito provocativo. Numa inteligência incrível, fazia alguns ficarem sem graça e até nervosos. Com certeza irritou muitos em Atenas fazendo isso e começou a ser odiado pelos “sábios”. Certa vez, contando de Sócrates para meu irmão, ele me disse: “Sócrates, então, foi o primeiro troll da história”. Ora, o troll, no linguajar da internet, é aquele que está ali sempre provocando, discordando, incomodando, às vezes inteligentemente, às vezes de forma burra. De certa forma, em seu aspecto provocativo, Sócrates trollou Atenas. Mas aí nos restringiremos ao sentido positivo da provocação: a provocação que faz pensar. Sócrates tanto fez isso que, odiado por alguns, foi julgado e sentenciado a morte.

Se quiser saber mais, recomendo: http://ghiraldelli.pro.br/2011/02/28/socrates/ 

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