sexta-feira, 10 de junho de 2011

A liberdade precisa de regras

A noção de liberdade, no senso comum, está muito atrelada à ausência de regras. Para muitos, liberdade significa “fazer tudo o que se quiser”, “sem limites”. A filosofia, já por muito tempo, se ocupa da questão da liberdade e, nos últimos tempos, tem nos mostrado cada vez mais que liberdade nada tem a ver com a realização desenfreada das vontades de cada um. Sartre já nos mostrou isso quando colocou o homem como ser livre, condenado à responsabilidade de cada escolha, e que não é responsável somente pela sua restrita individualidade, mas sim perante toda humanidade. Mesmo assim, a  filosofia de Sartre parece ainda não nos deixar claro do porque precisarmos de regras. Talvez um dos melhores exemplos para se demonstrar isso esteja na noção de controle social.

Ora, é só falarmos de “controle social”, ou qualquer outro tipo de controle, principalmente envolvendo mídias, que os defensores da “liberdade” já levantam suas bandeiras; para eles, qualquer tipo de controle é restrição da liberdade, é impor regras para restringir as liberdades. Isso não poderia estar mais equivocado, afinal, não pode haver sociabilidade sem controle; como diria John Dewey, “sem regras, não há jogo”.

Georges Gurvitch nos ajuda a esclarecer essa confusão quando, fazendo uma revisão bibliográfica a respeito do controle social, nos aponta para a ambiguidade da palavra “controle”, que tanto pode significar dominação, como também regulação. Sendo assim, o controle social não pode somente ser pensado em sua dimensão perversa, da dominação, mas também como meio de regulação dos jogos sociais. Dentro do controle social estão não só as leis, como a moral, cultura e etc.

Para percebermos isso, não é preciso ir muito longe. Ora, as leis não deixam de ser regras de controle social. Sem elas, como nos asseguraríamos (teoricamente pelo menos) que a justiça seja feita? É seguro dizer também que existem regras em todas as nossas relações sociais, sejam elas formais, como o manual de conduta de um colégio, como informais e para além das instituições, como a moral. A ideia do Wikipédia, por exemplo, é a de uma enciclopédia livre, mas isso não quer dizer que a Wikipédia não possua regras. Quem já tentou postar ou alterar um artigo lá sabe do que estou falando. Entretanto, as regras do Wikipédia não são uma restrição da liberdade, mas sim uma maneira de assegurar o bom funcionamento da ferramenta. A questão da liberdade aí é a seguinte: você tem a liberdade de alterar artigos no Wikipédia, mas, para isso, deve aceitar nossas regras, deve saber jogar o nosso jogo. Se eu tenho um blog, quem for comentar nele deve aceitar as minhas regras, assim como quem irá jogar xadrez pela primeira vez deve aceitar as regras do jogo.

“Tudo bem, Tiago. Mas e aí, como fica a liberdade de escolha se eu só posso aceitar regra dos outros?”. Na verdade, a liberdade aqui é a liberdade de entrar e sair do jogo quando quiser, exceto quando estamos falando da política. Como nascemos num regime democrático, estamos num jogo que não podemos sair dele; quem sai da democracia (ou de qualquer regime político) fica à deriva da sociedade e sabemos muito bem que viver como Robson Crusoé não é uma coisa legal. Entretanto, o jogo democrático tem uma característica peculiar: ele teoricamente permite que os cidadãos tenham a liberdade de interferir sobre as regras. Sendo assim, em nossa sociedade, ser livre não é somente poder transitar livremente num ambiente regrado, como também é ter a liberdade de reivindicar a alteração das regras. Democracia seria, teoricamente, o regime que acolhe a vontade da maioria, sem desrespeitar os direitos da minoria, através da liberdade dos cidadãos de intervir nas regras do jogo. Isso é um pouco diferente de um garoto que aprende a jogar futebol. Raramente se reclamará de uma regra em particular do futebol, mas sim da interpretação da regra. Somente quando uma regra (ou a ausência de uma regra) está atrapalhando o funcionamento do jogo é que se pensa em mudá-la.

Seja no funcionalismo de Durkheim, seja no pragmatismo de Dewey, o controle social é não só aquilo que regula positivamente a sociedade, como também é aquilo que permite a própria liberdade. São as leis, por exemplo, que preveem os direitos dos cidadãos, permitindo que eles participem do jogo social e, tendo seus direitos assegurados, sejam livres.  Sem as leis, sem as regras, sem nada disso, não há jogo. Pior do que isso: impera alguma outra lei, como a lei do mais forte, por exemplo. Nesse caso, só serão livres os fortes.

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