domingo, 30 de janeiro de 2011

Ciúme: a chave do amor


“Eu percebi que estava afim dele quando senti falta dele ( ou 'se afastou', ou 'tive ciúme')”. O que essa frase nos diz de interessante sobre o amor?

O que vou escrever aqui não é uma grande novidade, mesmo que, para percebermos tal coisa, tenhamos que ter alguma vivência, boa observação e estabelecer algumas distinções complicadas. E, mais do que isso, o que vou escrever aqui, mesmo não sendo novidade para nossos olhos, talvez gere mais perguntas que respostas, afinal, a filosofia já se ocupa com questões do amor e da amizade já faz muito tempo. O texto que me inspirou tal reflexão foi este aqui, onde o filósofo Paulo Ghiraldelli Jr. procura relacionar o amor romântico, dos casais, com a amizade. Ao trabalhar tal relação, o filósofo coloca como ponto de diferenciação entre o amor e a amizade o ciúme. Aqui, algumas mulheres já irão levantar a mão e dizer que o ciúme existe na amizade. Calma, vamos por partes.

A amizade, tal como vem sido pensada desde a Grécia antiga envolve um tipo de amor que é diferente do amor eros, dos casais. A esse amor, os filósofos gregos davam o nome de philia. O amor philia, da amizade, desde a antiga Grécia até nós, vem sido pensado como aquele que envolve a fidelidade, o “querer bem” do outro, envolvendo um determinado altruísmo quando se trata o amigo como um fim, e não como um meio, mas, ao mesmo tempo, exigindo que o amigo cumpra determinadas condições. Que condições são essas? Ora, só há amizade se houver mutua confiança, fidelidade e etc. Se uma das pessoas envolvidas não cumprir tais condições, a amizade estará comprometida.

Agora, já podemos falar do amor eros, aquele dos amantes. Esse amor envolve o erótico, pensado aqui como desejo e busca de prazer. Mas, mais do que isso, o amor de casais envolve a posse. Posse não no sentido de que o amante é apenas um objeto, mas sim de que o “forte interesse do amante pelo amado, que o faz despender cuidados para com este”, tornam legitima a frase “essa é minha mulher”. É nesse sentido da posse que o ciúme se torna algo essencial, constitutivo, do amor entre casais. Em outras palavras, o amor romântico só existe se há ciúmes (se não há, desconfiem!). Por ser o ciúme amoroso, esse não deve ser entendido como ciúme que somente objetifica o outro, o transformando em um “boneco” e nem como ciúme exagerado. Esse ciúme, tal como nos explica Ghiraldelli, é provocado pela diminuição do tempo e atenção que uma pessoa dedica a outra, e envolve a posse tratada anteriormente, afinal, o amor entre casais só se realiza quando um não só deseja ter sexo com o outro mas o trata também como um fim, desejando sua felicidade, promovendo ações para isso. É aqui que a amizade e o amor acabam sendo compatíveis.

Tendo visto tudo isso, sabendo que erosphilia são compatíveis quando os amantes se tratam como fim, e não somente como meio, e que um ponto diferencial entre o amor de casais e a amizade é o ciúme, vamos pensar no nosso cotidiano. Aqui, podemos já ampliar esse pensamento e entender porque muitas vezes as mulheres dizem somente se dar conta de uma paixão quando sentem ciúmes de alguém, mesmo um amigo. Nesse ponto, algumas mulheres insistem em dizer que sentem ciúmes de amigos e isso não tem nada a ver com paixão e ponto final. Mas, por mais amigos que possamos ter, o amor philia pode sim transitar para o amor eros justamente porque o erotismo nos rodeia. O erotismo existe mesmo entre amigos, mesmo entre familiares. “Como assim, Tiago?!” É isso mesmo.

O erotismo é um desejo que tem a ver com o prazer e o sexo, mas ele não se manifesta somente com o sexo. Quando Freud afirma que a criança possui uma sexualidade e nos apresenta a libido, ele está nos dizendo justamente isso. O desejo de abraçar uma mãe, um amigo, de tocá-los, é nada mais, nada menos, que uma manifestação erótica. Sentimos prazer em fazer isso. E essa dimensão erótica da vida se estende para as atividades diárias também, quando como sentimos prazer em comtemplar e fazer arte; escutar uma boa música, tocar violão. Mesmo assim, por mais que o erotismo esteja ali se manifestando na amizade entre heterossexuais de sexos diferentes, ou homossexuais do mesmo sexo, sem que uma paixão se torne visível, um possível relacionamento amoroso entre amigos de sexos que se atraem nunca é descartável. 

Assim sendo, é seguro dizer que se um amigo sente ciúmes do outro, independente do sexo que ele acha que tem ou de como essa pessoa define a sua relação com o outro, há algo do amor de casais ali. Por isso, meninas, quando vocês dizem que sentem ciúmes de um amigo, é certo de que ali existe algo de eros, mesmo que em possíveis variadas intensidades. Mais do que isso, é justamente esse ciúmes que pode fazer a transição entre a amizade e o relacionamento amoroso. Os homens e mulheres sábios sabem disso. Afinal, eles até utilizam o ciúme como “estratégia de conquista”. Eu nem chamaria isso de “conquista”. Pelo que refletimos aqui, causar ciúmes em alguém que se está afim é somente torna-lo consciente de seus desejos. É avisar: “viu só, entre nós não há só philia, há eros”.

2 comentários:

  1. Quer dizer que se eu viro amigo de uma mulher, nem tudo está perdido? Haha.

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  2. Não, nem tudo está perdido. Mas é preciso haver eros (desejo). Sem isso, esqueça. hahaha

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