
Agora, há poucos dias do show do grupo Kid Abelha na cidade de Foz do Iguaçu-PR, onde se localiza uma das maiores colônias de muçulmanos do país, a cantora da banda, Paula Toller, resolveu fazer uma “brincadeirinha” envolvendo a cidade em seu Twitter (@PaulaToller): “Triplice fronteira sinistra, dizem q Bin Laden mora aqui e ninguem repara, pq todo mundo se parece com ele”.
Como repercussão, diversos moradores da cidade responderam Toller no Twitter, indignados com a “brincadeira” da cantora. Para abafar a situação, a vocalista do Kid Abelha então respondeu: “Nao era para levar a serio, foi apenas uma brincadeira. Vamos rir um pouco, gente, a vida e curta e vcs moram num lugar deslumbrante”.
Nada disso teria acontecido nem com Rita Lee, nem com Paula Toller, se, sendo celebridades, personalidades públicas, elas tivessem noção de duas coisas: pragmática e espaço público. Começaremos pela noção de espaço público.
Podemos levantar vários sentidos para a noção de espaço público. Até mesmo podemos confundir essa noção com quando falamos em prédio público, por exemplo. Mas, talvez, a melhor concepção de espaço público que podemos elencar para pensar o caso Paula Toller é aquela que tem relação com a praça pública, noção que deriva da pólis grega, onde os cidadãos, pessoas privadas, se reuniam para discutir os assuntos públicos. A praça pública não se limita a um lugar físico. Por isso mesmo, muitos concebem os meios de comunicação de massa, como a TV, por exemplo, como espaço público. Sabemos muito bem disso quando dizemos que, estando em rede nacional, não se pode falar qualquer bobagem (em teoria!).
Cada pessoa privada é responsável por aquilo que diz no espaço público. Como se pode pensar a TV como espaço público, a internet, apesar de ser um espaço virtual, também se encaixa nessa noção. Aliás, ela se encaixa melhor que a própria TV, afinal, sendo muito mais interativa que os outros meios de comunicação, todos que tem acesso a ela podem meter a boca no trombone caso queiram. Podem criar blogs opinativos, comentar notícias, participar de fóruns de discussão e etc.
Justamente por isso que, se a nossa responsabilidade como cidadãos já é grande quando falamos na internet, a responsabilidade das celebridades, personalidades públicas, parece ser muito maior. No Twitter, por exemplo, é mais do que recomendado para uma personalidade pública pensar muito bem antes de falar qualquer coisa. Brincadeiras? Mais ainda. Por mais que Paula Toller tivesse a pura intenção apenas de brincar e Rita Lee quisesse apenas criticar o Corinthians, e não os moradores do Itaquera, isso não importa perante o espaço público. Dito uma coisa no espaço público, aquele que falou é responsável por todos os sentidos possíveis que podem ser atribuídos à própria fala dentro do contexto em que essa fala foi dita.
A pragmática, como perspectiva de estudo da linguagem nos atenta para isso em dois pontos. O primeiro aprendemos com Austin: falar é agir. Não existe o falar passivo. Toda fala é uma intervenção na realidade, um ato. Uma brincadeira é uma brincadeira, mas ela nunca é “só” uma brincadeira. A outra coisa que aprendemos com a pragmática é que o contexto de fala é fundamental para os sentidos atribuídos a essa fala e que não existe significado único, imanente, de uma frase, por mais inocente que possa ser a intenção do falante.
Se Rita Lee soubesse bem dessas coisas, que o Twitter é espaço público e, portanto, ela, como personalidade pública, tinha um grande peso de responsabilidade pelo que falava ali, não teria dito o que disse. Isso também vale para Paula Toller que, além de não parecer entender a noção de Twitter como espaço público, quis se justificar dizendo que era “só” uma brincadeira. A vocalista do Kid Abelha deveria ter levado em consideração o contexto atual: a revista Veja está sendo processada justamente por publicar acusações de terrorismo em Foz do Iguaçu envolvendo muçulmanos que moram na cidade. Sem dizer que a fala da cantora foi uma brincadeira que envolveu raças, o que facilmente podem-lhe atribuir um significado racista.
No fim das contas, assim como o próprio público mostrou à Rita Lee que o Twitter não é “terra de ninguém”, o que fez com que ela excluísse a própria conta da rede social, o mesmo impulsionou Paula Toller a apagar seus mal recebidos tweets.
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