sábado, 16 de abril de 2011

Paula Toller (Kid Abelha), muçulmanos e o espaço público

Nessa altura do campeonato é incrível termos celebridades que ainda não aprenderam que a internet é espaço público, muito menos as implicações dessa relação. No ano passado, uma declaração de Rita Lee no Twitter teve uma repercussão tão negativa que a cantora excluiu a própria conta na rede social. Rita Lee dissera, querendo criticar a proposta de local do novo estádio do Corinthians na época, que “o Itaquera é o c* de onde sai a bosta do cavalo do bandido”. Com bons motivos, moradores do Itaquera não gostaram nada dessa afirmação.

Agora, há poucos dias do show do grupo Kid Abelha na cidade de Foz do Iguaçu-PR, onde se localiza uma das maiores colônias de muçulmanos do país, a cantora da banda, Paula Toller, resolveu fazer uma “brincadeirinha” envolvendo a cidade em seu Twitter (@PaulaToller): “Triplice fronteira sinistra, dizem q Bin Laden mora aqui e ninguem repara, pq todo mundo se parece com ele”.

Como repercussão, diversos moradores da cidade responderam Toller no Twitter, indignados com a “brincadeira” da cantora. Para abafar a situação, a vocalista do Kid Abelha então respondeu: “Nao era para levar a serio, foi apenas uma brincadeira. Vamos rir um pouco, gente, a vida e curta e vcs moram num lugar deslumbrante”.

Nada disso teria acontecido nem com Rita Lee, nem com Paula Toller, se, sendo celebridades, personalidades públicas, elas tivessem noção de duas coisas: pragmática e espaço público. Começaremos pela noção de espaço público.

Podemos levantar vários sentidos para a noção de espaço público. Até mesmo podemos confundir essa noção com quando falamos em prédio público, por exemplo. Mas, talvez, a melhor concepção de espaço público que podemos elencar para pensar o caso Paula Toller é aquela que tem relação com a praça pública, noção que deriva da pólis grega, onde os cidadãos, pessoas privadas, se reuniam para discutir os assuntos públicos. A praça pública não se limita a um lugar físico. Por isso mesmo, muitos concebem os meios de comunicação de massa, como a TV, por exemplo, como espaço público. Sabemos muito bem disso quando dizemos que, estando em rede nacional, não se pode falar qualquer bobagem (em teoria!).

Cada pessoa privada é responsável por aquilo que diz no espaço público. Como se pode pensar a TV como espaço público, a internet, apesar de ser um espaço virtual, também se encaixa nessa noção. Aliás, ela se encaixa melhor que a própria TV, afinal, sendo muito mais interativa que os outros meios de comunicação, todos que tem acesso a ela podem meter a boca no trombone caso queiram. Podem criar blogs opinativos, comentar notícias, participar de fóruns de discussão e etc.

Justamente por isso que, se a nossa responsabilidade como cidadãos já é grande quando falamos na internet, a responsabilidade das celebridades, personalidades públicas, parece ser muito maior. No Twitter, por exemplo, é mais do que recomendado para uma personalidade pública pensar muito bem antes de falar qualquer coisa. Brincadeiras? Mais ainda. Por mais que Paula Toller tivesse a pura intenção apenas de brincar e Rita Lee quisesse apenas criticar o Corinthians, e não os moradores do Itaquera, isso não importa perante o espaço público. Dito uma coisa no espaço público, aquele que falou é responsável por todos os sentidos possíveis que podem ser atribuídos à própria fala dentro do contexto em que essa fala foi dita.

A pragmática, como perspectiva de estudo da linguagem nos atenta para isso em dois pontos. O primeiro aprendemos com Austin: falar é agir. Não existe o falar passivo. Toda fala é uma intervenção na realidade, um ato. Uma brincadeira é uma brincadeira, mas ela nunca é “só” uma brincadeira. A outra coisa que aprendemos com a pragmática é que o contexto de fala é fundamental para os sentidos atribuídos a essa fala e que não existe significado único, imanente, de uma frase, por mais inocente que possa ser a intenção do falante.

Se Rita Lee soubesse bem dessas coisas, que o Twitter é espaço público e, portanto, ela, como personalidade pública, tinha um grande peso de responsabilidade pelo que falava ali, não teria dito o que disse. Isso também vale para Paula Toller que, além de não parecer entender a noção de Twitter como espaço público, quis se justificar dizendo que era “só” uma brincadeira. A vocalista do Kid Abelha deveria ter levado em consideração o contexto atual: a revista Veja está sendo processada justamente por publicar acusações de terrorismo em Foz do Iguaçu envolvendo muçulmanos que moram na cidade. Sem dizer que a fala da cantora foi uma brincadeira que envolveu raças, o que facilmente podem-lhe atribuir um significado racista.

No fim das contas, assim como o próprio público mostrou à Rita Lee que o Twitter não é “terra de ninguém”, o que fez com que ela excluísse a própria conta da rede social, o mesmo impulsionou Paula Toller a apagar seus mal recebidos tweets.

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