sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Chico Buarque e o amor não correspondido

Quando se fala em Chico Buarque, há aqueles que reverenciam antes o Chico “político”, do protesto contra ditatura militar, do que qualquer outro Chico. Digo isso porque quando falamos no carioca dos olhos azuis que fez tanto sucesso com Roda Gigante, podemos falar em um músico que não foi um só. A compilação 50 anos de Chico Buarque nos mostra isso quando divide, com perspicácia, a obra do músico em cinco cd’s: o trovador, o político, o cronista, o malandro e o amante.

Não posso deixar de atribuir certa genialidade a qualquer um desses cinco Chicos. Todavia, se me perguntarem com qual me identifico mais, direi que é o Chico que fala de amor. Mas não é qualquer amor. Não é nem philia, nem ágape. Não é, por exemplo, o Chico Buarque do Meu guri, que fala, entre outras coisas, de um amor maternal incondicional a ponto da cegueira; mas sim o Chico amante, que fala de eros, do amor romântico. Nesse tema, o músico carioca é capaz tanto de fazer poesias românticas de reverencia a uma amante, por exemplo, quanto falar de amores não correspondidos.

Uma das músicas que tratarei aqui no texto infelizmente não faz parte da coletânea anteriormente citada. Chama-se Futuros Amantes e é uma canção sobre um amor não correspondido. Apesar do carioca de olhos azuis fazer sucesso com as mulheres até hoje, defendo que somente tendo amores não correspondidos que o filho do Sérgio Buarque de Holanda seria capaz de realizar interpretações como Quem te viu quem te vê e Olhos nos olhos. São canções sobre eu-líricos que foram deixados, rejeitados pela pessoa amada. Somente quem um dia nessa vida passou por uma rejeição dessas é capaz de se identificar tanto com essas músicas, e não há nada de errado nisso. Penso que em grande parte das separações há aquele que não ama mais e pede a separação, e há aquele que ainda ama, mas finge que não ama para “sair por cima” (uma grande bobagem que fazemos tipo “quem termina primeiro” mostra isso, como se doesse menos ainda amar e terminar primeiro). Essas são canções onde a pessoa deixada deseja que a outra a contemple no futuro mais próximo possível, seja para a outra ver como ela, a deixada, está feliz sem a outra, seja para que a outra não dê na vista a saudade que pode surgir da deixada.

Futuros amantes é também sobre um amor não correspondido, mas não propriamente sobre um futuro próximo à rejeição, onde teremos que lidar com o fato de que a pessoa pela qual nos apaixonamos não nos quer, nos deixou e queremos que ela nos veja sem ela. Essa canção é sobre um futuro distante, onde o amor não correspondido pode ainda se realizar. A música que se passa em um Rio de Janeiro submerso, distante no tempo. Lá, os mergulhadores que exploram a cidade submersa descobrem fragmentos de cartas e poemas, fragmentos do amor deixado pelo eu-lírico. Mesmo que esse amor não tenha sido correspondido no passado, o que importa é como ele será ressignificado no futuro.

A história construída pela civilização futura a partir desses fragmentos poderá fechar o ciclo desse amor. Os escafandristas (mergulhadores em suas roupas especiais) levarão tais fragmentos à superfície e lá eles serão lidos, estudados e interpretados de diversas formas. Poderão, inclusive, serem ressignificados de maneira que a partir desses fragmentos os futuros homens darão sentido a esse amor. Outros amantes se utilizarão dele e, independente do fato de ele não ter se realizado no passado, cumprirá sua função no futuro, se realizando como amor.

Uma das maneiras de lidarmos com o medo da certeza de nossa morte é nos utilizando de narrativas onde a vida continua após a morte, onde nosso espírito é imortal. Penso que Futuros Amantes seja uma música que dá ao amor um aspecto imortal, e é justamente essa a beleza de um amor que não pode morrer. Mesmo que ele já tenha nascido e morrido, ele poderá ressuscitar num futuro distante. Quer melhor terapia para um amor morto do que saber que ele sempre terá a possibilidade de se realizar? Aqui vai um trecho da música para aqueles que sinceramente amam, ou amaram, e não foram correspondidos:

Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar 

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