quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O Equilibrista e o Belo

“Veja O Equilibrista,doc s/PhilipePetit,e pense no lugar q a gratuidade(onde o belo e a virtude se encontram aquém do sentido)tem em sua vida

Quando esse tweet de Luiz Eduardo Soares (@luizeduardosoar) surgiu na tagline do meu twitter, não entendi muito bem o que ele quis dizer. Gratuidade? Belo e virtude aquém do sentido? Fiquei tão curioso em desvelar o significado dessa frase que resolvi assistir o filme indicado por ele; era lá que a resposta iria acenar pra mim. E acenou mesmo. Belíssima.

O Equilibrista (Man on Wire), de 2008, é um filme/documentário dirigido por James Marsh e tem como protagonista Phillipe Petit, equilibrista francês que em 1974 realizou uma travessia através de um cabo de aço suspenso entre as torres do World Trade Center. O filme é baseado no livro To Reach the Clouds que, posteriormente, foi relançado com o nome Man on Wire.

Phillipe, quando jovem, foi autodidata na arte do equilibrismo. Desde menino, andar sobre uma corda, no limite entre a sustentação e a queda, entre a vida e a morte, é a paixão de Phillipe. Já com quase 60 anos, ele nos conta, através do filme, como teve a visão do maior sonho de sua vida: estava na sala de espera do dentista, com uma dor de dente, abriu o jornal e viu a foto de um projeto das torres gêmeas (que na época ainda estavam para serem construídas). A partir dali não teve mais dúvida, queria caminhar entre as torres. Fingiu que espirrou, arrancou a folha do jornal com a foto e saiu correndo para casa com o dente doendo ainda.

Ouvir Phillipe contando suas próprias histórias, cheias de figuras de linguagem típicas da literatura, é instigante. É quase impossível não se apaixonar pela personalidade do equilibrista, que parece viver numa poesia cheia de vida, andando pela beirada do abismo. Conta sua história com tanta empolgação que é como se tivesse se passado há apenas alguns segundos atrás. Antes de caminhar entre as torres gêmeas, Phillipe já havia caminhado sobre a Catedral de Notre-Dame. Invadiu a catedral com os amigos, amarrou a corda, e caminhou sobre ela. Assim, mesmo, ilegalmente. Fez o mesmo na Austrália e foi exatamente assim que ele fez nas torres gêmeas, claro que com muito mais planejamento.

Se o leitor pensa que ele pediu permissão para andar entre as torres, está enganado. Phillipe e seus colegas planejaram a invasão por um longo tempo, entre idas e vindas da França aos EUA. Para o equilibrista, aquilo era como um assalto a banco, como um daqueles roubos super-planejados de Onze homens e um segredo. Depois de muito trabalho, com as torres gêmeas ainda em construção, Phillipe foi lá com seus “comparsas”, amarraram a corda e ele realizou seu sonho. Foi belíssimo. Não pude conter as lágrimas quando os amigos e a ex-namorada de Phillipe choravam ao relembrar o clímax daquela história. A queixa que consta contra ele no relatório oficial da polícia? “Homem no cabo” (Man on wire).

Até esse momento do filme eu já havia esquecido do tweet de Luiz Eduardo Soares. Não que ele não fosse mais importante, mas sim porque o filme me envolveu tão profundamente que o tweet sumiu por um tempo de minha mente. Entretanto, após Phillipe ter caminhado entre as torres e ser algemado e levado pela polícia, uma cena me surpreendeu, repentinamente, fazendo emergir o misterioso tweet em meu consciente, revelando seu potencial significado. Esses momentos de revelação intuitiva costumam ser chamados de epifania. Quando o equilibrista foi levado pela polícia, uma multidão de repórteres veio assedia-lo. Qual foi a principal pergunta dos repórteres para Phillipe? “Por quê?”. Queriam saber por que Phillipe havia realizado tal façanha. Havia alguma finalidade, algum sentido, naquilo? Esse tipo de pergunta era o que menos importava para ele. Não havias porquês, finalidade ou sentido naquele ato. Phillipe o fez porque era seu sonho, sua paixão. Era um ato corajoso e belo.

Podemos então dizer que Phillipe andou entre as torres gratuitamente. Na estética, em seu sentido filosófico, a experiência estética, ou experiência do belo,  é gratuita, desinteressada; ou seja, ela não almeja finalidades imediatas e práticas.  Não há os banais porquês que os repórteres tanto queriam. Em outras palavras, foi em um ato gratuito, aquém do sentido (sem qualquer pretensão de finalidades práticas ou porquês), que o equilibrista uniu a virtude (a coragem, por exemplo) e o belo ao dar seus passos sobre a corda entre as torres gêmeas.

Nesse sentido, podemos pensar no lugar que a gratuidade tem em nossas vidas. Geralmente procuramos o belo nos fins. Achamos que doar comida é belo porque a finalidade desse ato é sanar a fome dos necessitados. Mas o belo não está necessariamente nos fins. O belo pode ser o ato que é um fim em si mesmo, ou um meio sem fim, como a caminhada de Phillipe. Aqui, nos cabe a palavra contemplação; a atitude desinteressada, mesmo assim ativa, de se experimentar o belo. Qual a finalidade de ouvir uma prazerosa música? De contemplar uma obra de arte? De abraçar alguém ou ajuda-lo? De se cultivar a amizade? Não há finalidade imediata e prática para essas coisas. Nem tem porque haver também. O que é belo dispensa porquês. 

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