quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A (in)felicidade dos gregos antigos

Se os antigos gregos, Sócrates, Platão e Aristóteles, pudessem olhar para nós, hoje, talvez vissem coisas que os orgulhassem, afinal, recuperamos deles diversas noções filosóficas e valores que estão imbricados no nosso dia-a-dia. Mais do que isso, até os criticamos em certos pontos que são motivo de aplausos também.  Entretanto, talvez um aspecto nosso deixasse os antigos gregos muito decepcionados, tristes mesmo. Se hoje, por vezes, tratamos a felicidade como um estado sentimental, a noção de felicidade para os antigos gregos, a eudaimonia, não era um sentimento. 

A felicidade para eles era a prosperidade. A prosperidade da pólis, da família e dos amigos é a felicidade pois é resultado de uma vida bem vivida, virtuosa, com boas ações nas relações sociais e no civismo. Isso significa dizer que os antigos filósofos gregos tinham um pé atrás quando o assunto era ser feliz sozinho. A eudaimonia é a noção de felicidade que, diferente da nossa, que é mais subjetiva, é uma noção objetiva, esta fora do sujeito. Ser feliz era ter amigos, viver em uma cidade onde todos prosperavam juntos, era ver a prosperidade que teve nossa contribuição, com o civismo e as boas ações, mas estava fora de nós. Segundo Aristóteles, a felicidade não é momentânea, mas toda uma vida bem vivida.

Hoje, nossa noção de felicidade, apesar de mais subjetiva, tendo a ver com nossos próprios sentimentos, ainda recupera algo dos antigos gregos quando nos damos conta da importância da família e da amizade em nossas vidas e falamos em "bem-estar geral", algo não tão momentâneo. Porém, parece que, às vezes, a nossa noção de felicidade assume formas sombrias, solitárias, fracas e cheias de medo. É o tipo de felicidade que diz: “Sou feliz sozinho, não preciso de ninguém, eu me basto!”. Hoje em dia nem mais a razão é pensada como um ato solitário. Por isso, falamos em intersubjetividade, interacionismo e diálogo. Mas, se é assim, será que é mesmo possível ser feliz sozinho?

Esse tipo de noção de felicidade, sombria, costuma surgir depois de um, ou vários, desapontamentos com outras pessoas. Os exemplos mais emblemáticos nesse sentido são as decepções amorosas, mas isso ocorre também na amizade. Lá estamos, apaixonados, desenvolvendo um relacionamento, criando altas expectativas, quando a pessoa que gostamos já não sente o mesmo por nós e nos da um pé na bunda. Pronto. Aí já esta motivo o suficiente para não confiar mais em ninguém, ainda mais em uma pessoa do sexo oposto. Aí esta a justificativa para não nos envolvermos mais, para termos medo de viver outros amores e nos comportarmos como crianças traumatizadas.

Claro, não me entendam mal. Todos nós já tivemos decepções e temos direito de ter essa fase de superação chamada “ser feliz sozinho”, mas depois disso, talvez não seja boa coisa continuar pensando assim; a eudaimonia nos alerta isso. Tal como uma criança que quebra a perna num jogo de futebol e, traumatizada, nunca mais quer jogar bola, deixamos de nos relacionar com os outros. Queremos ser totalmente independentes, mesmo que, se pensarmos bem, sempre dependemos de alguém.

Nessa hora, achamos que a melhor solução para não nos machucarmos mais é sermos “felizes sozinhos”. Aí, pensadores de esquina ainda vem reforçar essa ideia maluca em nossa cabeça com frases como “nascemos sozinhos e morremos sozinhos” ou “quem tem mais poder no relacionamento é quem se envolve menos”. Ora, se alguém nasce sozinho, sem pai nem mãe, ou morre sozinho, sem ninguém em seu funeral, que triste. Que triste que tenhamos que nos envolver menos para termos mais poder no relacionamento, assim, todo mundo quer ter mais poder e ninguém se envolve mais. A verdade é que viramos uns cagões. Com medo de nos machucarmos, somos incapazes de amar (seja romanticamente, seja na amizade), de dar o braço a torcer. Nunca queremos “sair perdendo” e queremos ser “aquele que terminou primeiro”, como se isso resolvesse alguma coisa. Tudo é planejado porque queremos mais eficiência na hora de evitar os sofrimentos; mas, como o sofrimento é inevitável, faz parte da vida, planejamos muito para evitar o inevitável e, no limite, não executamos nada.

No final das contas, somos infantis. Mamãe não nos deixa andar descalço porque podemos pegar uma bactéria e, como consequência desse ato superprotetor, não criamos anticorpos; ficamos fracos, muito fracos. Ou pior, somos como um velho amargurado e decepcionado que não sai de casa porque pode chover, pode ficar doente, pode se machucar, pode ser assaltado ou pisar num prego. Achamos que podemos ser felizes sozinhos não porque isso seja possível e bom, mas sim porque estamos com medo de nos decepcionarmos com o outro, nos privando de amar, em seus vários sentidos e, no limite, como a criança e o velho, nos privando de viver. Nem mesmo o protagonista de Náufrago, interpretado por Tom Hanks, conseguiu ser feliz sozinho. Criou um amigo numa bola de vôlei, Wilson, e preferiu se arriscar em alto mar a morrer sozinho na ilha em que naufragou.

Não podemos mais conceber a felicidade tal qual os gregos a concebiam, afinal, muita coisa mudou e a dimensão subjetiva da felicidade também é importante. Mas, podemos sim repensar nossa felicidade em termos objetivos: uma felicidade que só é possível quando parte dela está fora de nós.

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