sábado, 12 de fevereiro de 2011

O Mistério do Orgasmo Feminino

O orgasmo feminino sempre foi revestido de um certo mistério. Na biologia, por exemplo, por um viés do pensamento darwinista, haveria uma teleologia envolvendo o corpo. O que isso significa? Significa que tudo que ocorre no corpo, suas funções, tem de ter uma finalidade evolutiva. O soluço serve pra “x”, as unhas servem pra “y” e os pelos servem para “z”. É nesse ponto que certas “funções” do corpo parecem escapar das finalidades quando não conseguimos imaginar nenhuma finalidade para elas. Já faz tempo que uma parte dos biólogos, os que seguem uma linha teleológica, batem a cabeça para descobrir a finalidade de uma coisa: o orgasmo feminino. Se já é difícil descobrir uma finalidade para o orgasmo feminino, que dirá para múltiplos orgasmos, uma capacidade feminina que muitos homens gostariam de desenvolver. Que tipo de finalidade evolutiva múltiplos orgasmos cumprem?

Além disso, o orgasmo feminino não é um mistério só para ciência, mas também para nós mesmos, homens e mulheres da sociedade contemporânea. Queremos saber do ponto G, das regiões de estimulo erótico do corpo, das melhores preliminares e até mesmo das potencialidades dos brinquedos sexuais. Tudo isso porque o orgasmo feminino parece que deve ser decifrado, que existe uma espécie de código, ou chave do cadeado, para que ele se realize. No final das contas, acredito que parte desse labirinto existe porque um fantasma ronda as mulheres. Explico.

Lá estava eu, assistindo TV, naquela rotina de troca de canais (rotina difícil, afinal, estou sem TV a cabo), quando caio na MTV. Está passando um daqueles programas sobre sexo, apresentado pela Penélope, e, como sexo é quase sempre um bom assunto, parei por ali. Durante o programa, rola uns jogos de competição entre casais onde é necessário, por exemplo, imitar uma posição do Kama Sutra ou responder questões sobre sexo. Acho interessante que programas como esse, como Amor e Sexo, da Rede Globo, que seriam inconcebíveis há 30 anos atrás, existam hoje; mas não é disso que quero falar nesse post.

O que mais me surpreendeu nesse programa foi uma determinada pergunta que, surpreendentemente, pra mim pelo menos, ninguém sabia. A pergunta era: “o que é anorgasmia?”. A participante chutou, errou, e Penélope disse: “Ainda bem que você não sabe!”. Claro, creio que o intuito da apresentadora ao exclamar isso era dizer que se a moça não sabia o que era anorgasmia, então, ela não sofria desse problema. Infelizmente, não é isso que ocorre. Justamente por muitas pessoas não saberem o que é isso, tal problema é ignorado. Parodiando Marx, um fantasma ronda a sexualidade feminina no Brasil. O pior é que esse fantasma não se trata de nenhuma revolução, mas sim, do fantasma, do espectro maligno, da anorgasmia: dificuldade ou impossibilidade que uma pessoa tem de atingir o orgasmo.

“Ah, Tiago, pare! Meu desempenho sexual ia te surpreender mais que esse programa”. Uau! Ok. Você pode até dizer isso, mas as estatísticas são assustadoras. Cerca de 50% das mulheres brasileiras sofrem de anorgasmia. Ou seja, probabilisticamente, metade das mulheres do nosso país tem dificuldades de atingir o orgasmo. Isso não significa dizer que essas mulheres não sintam prazer ou não se excitem, mas sim que não conseguem chegar ao clímax do ato sexual. Aqui, sempre surge um garanhão que diz: “é que essa parcela das mulheres não me conheceu ainda”. Bom, é claro que o desempenho do homem (ou mesmo parceira, porque não?) na cama pode ter relações com a anorgasmia, mas isso não é tudo. Por mais garanhões que nosso país possa ter, mais de 90% das mulheres não conseguem ter orgasmos por questões psicossociais e somente 5% por questões orgânicas ou fisiológicas. As questões psicossociais envolvem distúrbios psicológicos, tabus, pressões sociais e etc. No fim das contas, o orgasmo feminino é cheio de mistérios, falamos muito nele, queremos decifrá-lo, mas ignoramos que metade das mulheres do nosso país não consegue chegar ao ápice na cama, tendo até mesmo que fingir. Sabemos tudo sobre o ponto G, mas quando nos perguntam o que é anorgasmia: “Sei lá!”.

O filósofo Michel Foucault, em sua obra História da Sexualidade, nos apresenta um quadro muito interessante. Adoramos dizer que somos sexualmente reprimidos e multiplicamos os discursos sobre o sexo, falamos mais de sexo do que nunca. Mesmo assim, a coisa continua estranha. Os discursos científicos e técnicos, da medicina, psicologia e etc.,se apropriaram do sexo como objeto não para gerar uma libertação sexual, mas sim para administrar o sexo. No fim das contas, Foucault diz que falamos de sexo ao modo da scientia sexualis, e não como no oriente, ao modo ars erótica, da arte do erotismo. Lá, o sexo é pensado como uma arte, como erotização, ao estilo kama sutra; aqui, conhecer o sexo seria uma coisa mais cientifica, técnica. E o que isso implica? De certa forma, como nos dizeres do pensador de Frankfurt, Marcuse, estamos na sociedade deserotizada, e talvez seja essa nossa falta de pensar o sexo como ars erótica que nos permite saber tudo sobre sexo e, mesmo assim, termos que conviver com nossos fantasmas sexuais.

Por tudo isso, por mais que falemos e pesquisemos sobre sexo, alguma coisa parece faltar na cama, nos relegando ao canto obscuro e frio da frigidez. Sabemos “tudo” sobre sexo, mas, mesmo assim, monstros e fantasmas psicossociais vêm nos atormentar na hora “H”. Entretanto, creio que nada nos impede de sermos mais eróticos e pararmos de encarar o sexo, e o orgasmo feminino, como um problema cientifico ao invés de pensarmos e, mais do que pensar, sentirmos o sexo como arte. Sem muitas explicações, mensurações e detalhes técnicos. Ao nos re-erotizarmos, podemos dar adeus aos fantasmas e, num belo dia, voilá, liberdade. O mistério do orgasmo feminino será belo por si mesmo e todas as mulheres poderão corar, tremer no clímax e, enfim, serem satisfeitas e felizes na cama, querendo um cigarro pós-sexo.

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