Todos têm o direito de gostar ou desgostar do BBB. Entretanto, algumas vezes, os argumentos daqueles que não gostam do BBB demonstram certa insensibilidade para com o cotidiano. Não sou muito fã dos colunistas da Folha de S. Paulo, mas um conflito estabelecido entre um texto de Renato Kramer e o comentário de um leitor trouxe a tona algo interessante para se discutir. Kramer, em seu texto, falava do peso que Daniel, participante do programa, estaria sentindo ao exercer sua liderança no jogo. Daniel teria que selecionar alguém para ir ao paredão e estava preocupado com as implicações de sua escolha. Nisso, um leitor rebate algo mais ou menos nesse sentido: “Peso do que? Aquilo é um jogo. A pessoa escolhe e pronto”. O que Daniel estaria demonstrando, nesse sentido, seria um grande teatrinho e, por ter insultado Kramer, o leitor teve seu comentário posteriormente removido.
Considero insensível o argumento do leitor pois ele parece derivar de um outro argumento que, não raro, aqueles que não gostam do BBB utilizam para justificar seu gosto. É o argumento do “aquilo é só um jogo e as pessoas ficam fazendo cena, no fundo é só jogo mesmo. Todo mundo é falso”. Deixando de lado as hipóteses de que o BBB é um programa de cartas marcadas, ou tudo armado, e refletindo sobre o que podemos ver nele, discordo desse tipo de opinião. Penso que a grande graça (no sentido de que há um conflito interessante ali dentro) do BBB é justamente ser, quase que contraditoriamente, um “jogo de convivência”. É um jogo onde o vencedor é um só, mas para vencer, ele precisa conviver com seus oponentes. E o que isso implica?
Um dos grandes passos do Marx filósofo foram as noções de fetichismo e reificação. O que é isso? Marx dizia que o mercado operava de uma maneira intrigante: fazia com que tomássemos o vivo pelo morto e vice-versa. Sendo assim, o fetichismo é quando tomamos um objeto, morto, e o vivificamos. É quando a calça jeans que tanto desejamos comprar conversa com nós, dizendo-nos, da vitrine, que temos que emagrecer para ir lá busca-la. As mercadorias ganham vida, se transformam em sujeitos, com vontade própria. Por outro lado, a reificação é quando tomamos o que é vivo pelos seus aspectos mortos. É quando tratamos algo que é vivo como mero objeto. Nesse ponto percebemos porque há tanta carga negativa quando se fala em manipular as pessoas. Ora, pessoas são seres vivos, sujeitos. Sendo assim, manipula-las seria trata-las somente como objeto, não reconhecendo suas vontades e liberdade para agir. O que tudo isso tem a ver com o BBB? Tudo a ver.
Partindo-se do pressuposto de que o BBB é um jogo, todos deveriam entrar na casa com a ideia de reificar todos os outros participantes. Ou seja, transforma-los em peças do tabuleiro, em objetos, manipuláveis. Com o objetivo de ganhar, o grande jogador objetificaria todos ali dentro, afinal, é “somente” um jogo. Entretanto, o BBB não é como um jogo de xadrez. Ali, as peças não são de madeira, mas sim pessoas, sujeitos. Isso significa dizer que, na convivência, amizades e outros tipos de amores surgirão e, aí, a reificação está ameaçada. Ora, não existe amizade e nem amor que não tenha como pressuposto o reconhecimento do outro como sujeito, como fim em si mesmo, e não só como meio para nossas vontades. A amizade surgida da convivência implica que alguns participantes reconheçam outros participantes (seus potenciais oponentes) não mais como meras peças de tabuleiros, mas como seres humanos.
Sendo assim, o peso da decisão de Daniel, ao exercer sua liderança no jogo, pode não se configurar como um teatrinho, muito menos somente como um medo de ser eliminado caso tome uma decisão errada. Uma decisão errada pode implicar não só numa futura eliminação como também na ruina da boa convivência e, nesse grande caldeirão humano, demasiado humano, causar a infelicidade daqueles que já não queremos que sejam somente peões de madeira.