quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

Don Jon: Por que o sexo é melhor que a pornografia?


SPOILER ALERT


“Pornografia é melhor sexo”. É essa a verdade que Don Jon, protagonista do ousado filme “Don Jon”, escrito, dirigido e estrelado por Joseph Gordon-Lewitt, repete para si mesmo. Jon (Joseph Gordon-Lewitt) é um jovem viciado em pornografia e masturbação, sendo que assiste pornô todos os dias. Todavia, ele não é o que os norte-americanos chamam de “loser”. Alto, bonitão e "pegador", Jon é um assíduo frequentador de baladas, quase sempre levando mulheres para cama. Todavia, mesmo fazendo muito sexo, ele insiste que gosta mais do pornô do que do “sexo de verdade”.


Todo dia Jon faz uma faxina metódica em sua casa, vai à academia fazer musculação e, aos finais de semana, visita a igreja com sua família. Lá faz sua confissão ao padre, e volta e meia vai à balada procurar mulheres. É sempre a mesma coisa, essa é sua rotina. Depois do sexo, o pornô sempre se mostra melhor para ele. 


Um dia, Jon conhece na balada uma bela mulher chamada Barbara (Scarlett Johansson) e se apaixona por ela. Eles começam a namorar e ele faz tudo que ela quer, para mantê-la perto, inclusive adquire hábitos de que ele mesmo não gosta, mas que ela acha bom para ele. Entretanto, na hora do sexo, mesmo loucamente apaixonado, Jon chega à mesma conclusão de sempre: pornô é melhor que sexo. Mas, afinal de contas, por que diabos Jon continua a achar o pornô melhor?


Alguns filósofos e pensadores de nosso tempo, entre esses incluindo o meu amigo Paulo Ghiraldelli Jr., assim como o psicanalista Contardo Calligaris, vem desenhando em seus textos o que Ghiradelli tem chamado de “Era da futilidade total”. Tanto Ghiraldelli como Calligaris expressam belamente essa ideia através de uma interessante leitura do filme The Bling Ring, de Sofia Coppola. Qual a ideia, resumindo muito grosseiramente? A ideia é que a nossa geração tem desempenhado cada vez mais comportamentos que são sintomas de uma “era do vazio”. Grande parte do que fazemos são apenas a criação mecânica e repetitiva de imagens, sendo que não possuímos qualquer vivência ou experiência que sustentem essas imagens. Esse fenômeno vem aliado com uma notória perda da sensibilidade e capacidade se sentir prazer. 


Dito de outra forma, vivemos não uma era erótica (guiada pelo deus Eros), mas sim uma era do pornô. E qual a diferença entre o erótico e o pornográfico? Enquanto o erótico é algo mais do campo do simbólico, algo que trabalha com nossos sentidos num nível mais complexo, o pornográfico (“grafia do sexo”) é descritivo. Sendo assim, enquanto os antigos gregos viviam numa sociedade cujas relações eram guiadas por eros, eróticas, algo que é difícil de imaginar para nós, modernos, nossa sociedade parece ser cada vez mais deserotizada: perdemos a sensibilidade, a capacidade de sentir prazer, e acabamos trocando isso por pornografia e masturbação, já que esse é o máximo de prazer que conseguimos sentir. Como escreveu Ghiraldelli: “Numa sociedade de fedidos, o desodorante vende muito, já numa sociedade deserotizada, pornografia vende muito”. 


Além disso, Eros é o tipo de amor que só se faz com relação ao amado, não se faz sozinho. É preciso haver um “nós” para que Eros esteja presente. Nesse ínterim, o sexo que se faz guiado por Eros é muito diferente do sexo deserotizado, incluindo a masturbação, não só porque o primeiro envolve uma maior sensibilização e prazer, como também porque nesse é preciso haver o outro para se perder no outro.



Nesse contexto, Jon nada mais é do que um fruto da nossa sociedade deserotizada. Toda sua rotina é uma constante, repetitiva e mecânica masturbação (a musculação, o jantar em família, a igreja, o pornô), pois isso é tudo que ele sabe fazer, e o pornô é o máximo que a habilidade sensorial dele consegue desempenhar de prazer. Mesmo se apaixonando por Barbara, mesmo mudando bastante por ela, Jon continua apenas se masturbando, ainda quando faz sexo.


É apenas quando ele termina com Barbara, conhece e dá uma chance a Esther (Juliane Moore), uma mulher mais velha e mais experiente que ele, que ele aprende o que está havendo de errado. Ela lhe diz: “mesmo quando você faz sexo, você é muito egocêntrico, você faz tudo sozinho, apenas para si mesmo”. Os dois fazem o primeiro sexo erótico de Jon, e só então ele começa a perceber que para se perder no sexo, é preciso se perder junto com o outro. A partir daí, toda rotina masturbatória que era a vida dele se altera: ele deixa a musculação (exercício físico de rotina mecânica) para jogar basquete (atividade física prazerosa) e faz o primeiro sexo que lhe permitiu afirmar que sexo era melhor que pornô.


No mais, recomendo bastante esse filme para todos nós, habitantes da sociedade deserotizada.


PS: Peço para todos que ainda irão assistir esse filme que esqueçam a tradução do título para o português e não deem muita bola para a sinopse.

PPS: Algumas semanas depois de eu publicar esse texto, o Paulo Ghiraldelli postou esse texto que, penso, tem muito a ver com o filme: http://ghiraldelli.pro.br/e-sexo/

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