domingo, 31 de outubro de 2010

Namoro líquido?

“Eu quero um relacionamento, um namorado; mas não quero me sentir presa”. Já não é a primeira vez que eu ouço um desabafo de uma amiga nesse sentido.

O que tem de tão interessante nessa frase? Ora, ela é a perfeita representação de um conflito que Zigmunt Bauman, sociólogo, apontaria como típico do individuo na modernidade líquida. Querer estar num relacionamento, que envolve a abdicação de certas liberdades e, ao mesmo tempo, querer ser totalmente livre, é coisa de gente do nosso tempo. Para entender esse conflito, é preciso começar pela própria idéia de modernidade liquida. Esse primeiro momento, de explicação do que é modernidade liquida, pode parecer meio cansativo, mas compensa para entendermos nossos conflitos quando o tema é relacionamentos.

Para Bauman, o momento em que estamos é o que ele denominou de modernidade liquida. Na verdade, o que mudou foi a modernidade sólida, ou seja, aquela em que nos baseávamos em valores e instituições sólidas próprias da modernidade, vindas das revoluções burguesas e do iluminismo. Hoje, essas instituições e valores são líquidos, fluidos. Significa dizer que já não nos apoiamos em coisas sólidas. Isso pode ser visto na chamada “quebra das instituições”. Casamento, família e igreja já não são instituições tão firmes e delineadas como antigamente. Além disso, as idéias de individuo e liberdade entram em conflito.

Em várias de suas obras, que estão mais para ensaios, Bauman investiga justamente isso: de que forma essa modernidade liquida tem se refletido em nós. Uma dessas obras ele intitulou de “amor liquido”. Aqui, encontramos inícios de respostas para o conflito do ínicio do texto. Bauman defende que essa condição da modernidade liquida tem fragilizado os laços humanos; o amor não é mais solido, ele é liquido.

O sociólogo argumenta que, na contemporaneidade, temos pensado várias coisas em termos de investimento. O que era algo típico da economia foi transposto para as relações humanas. Pensamos os relacionamentos em termos de investimento. Sendo assim, começa a fazer sentido dúvidas como “será que compensa casar?” ou “será que vale a pena ter um filho?”. Estar em um relacionamento, e sabemos muito bem disso, tem seus custos e benefícios. A minha amiga citada no começo do texto também sabe disso. Ela sabe que é um beneficio ter alguém para lhe dar carinho, mas que isso provavelmente lhe implicará um custo, sua liberdade (se é que isso existe mesmo).

Aqui, podemos começar a fazer uma conexão dessa idéia com várias conflitos e fenômenos típicos do nosso tempo. Por exemplo, a fase “solteiro”, fase “namoro”. Dizemos que estamos sempre alternando essas fases porque, no conflito vindo da idéia de investimento, uma hora vemos que o beneficio está em ficar solteiro, em outra, estar namorando. Podemos enxergar isso no número de divórcios, que aumentou incrivelmente nos últimos tempos e agora tem diminuído novamente.

O próprio “ficar” é uma forma de tentar resolver esse conflito do custo/beneficio dos relacionamentos. Ficar com alguém nada mais é do que obter muitos benefícios, os carinhos e beijos, e deixar para lá os custos vindos do relacionamento “sério”. Nesse sentido, poderíamos cair na armadilha de pensar que “ficar” seria uma boa solução sempre. Entretanto, na modernidade liquida, o relacionamento duradouro é liquido, uma hora ele é predominantemente custo, outra é predominantemente beneficio. Assim, o ficar passa a implicar custos, que agora é o fato de que não se tem algo duradouro com o outro, e namorar acaba virando uma boa opção. Pode parecer frio demais pensar que fazemos isso, custo/beneficio, com outras pessoas. Mas, esse seria mais um conflito do nosso tempo.

Ficar, namorar ou casar? Depende. Pelos nossos valores não serem mais sólidos, essa é a melhor resposta que nós, da modernidade liquida, temos para todos os conflitos: “depende”. É muito conflito e liquidez pra nossa cabeça.

PS: Indo um pouco além de Bauman, eu não levantaria o conceito de investimento. Planejamento me parece uma idéia melhor. Quando a modernidade surgiu, começamos a planejar tudo para alcançar nossos objetivos. Essa forma de pensar planejada se transpôs para os relacionamentos humanos, fazendo com que nossas escolhas com o objetivo nada claro de "ser feliz" fossem planejadas. Esses costumes de planejar parecem totalmente racionais, mas não o são, pois já estariam enraizados em nós. Sendo assim, planejamos relacionamentos pensando nos custos/beneficios emocionais de forma até "inconsciente".

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