quinta-feira, 7 de outubro de 2010

O jovem que não é (ou não se acha) jovem

“A juventude está perdida” é uma frase que já deve ter lá uma certa idade... Para não ser politicamente correto, deve ser uma expressão tão velha e passada que já está caducando. Nada mais esperado do que ouvir esse tipo de frase de nossos avós, por exemplo. O problema é quando começamos a ouvir esse tipo de expressão caduca dos próprios jovens.

A definição de jovem é variável. Entretanto, se formos fazer um apanhado das diversas definições que existem por aí e tirarmos uma média, o jovem é aquele individuo com idade entre 15 e 25 anos. Aí é que reside o problema. Tenho ouvido de uma parcela de pessoas com idade entre 18 e 25 anos, portanto jovens, que a “juventude está perdida”. O que é um paradoxo a primeira vista.

O que tem acontecido, me parece, é que a cultura que se constrói e se reproduz no meio escolar, dos 13 aos 17 anos, tem sido diferente da cultura dos jovens de 18 à 25 anos; fazendo com que esses se diferenciem, ou queiram se diferenciar, daqueles. Ou seja, nós, de 22 anos, somos diferentes daqueles de 16 anos. Somos semi-adultos e eles é que são jovens. O que percebemos nesse ínterim é que o conceito de jovem não tem dado conta de diferenciar esses dois segmentos. Os jovens de 22 anos não querem estar no mesmo grupo dos jovens de 16 anos.

Alguns problemas decorrem dessa diferenciação. Um deles é que os “semi-adultos”, para se diferenciar, costumam condenar a cultura dos jovens escolares, numa pretensa posição de superioridade que beira o autoritarismo e o paternalismo; além de ser algo cínico. Talvez o exemplo mais representativo desse tipo de “semi-adulto”, que não se acha jovem, é o vlogueiro Felipe Neto. Com 22 anos, e portanto jovem, Felipe Neto ficou famoso na internet pelos seus vídeos de humor e crítica. Aqui não pretendemos dizer que seu trabalho é ruim, eu mesmo já ri muito com os vídeos do vlogueiro. O problema está no discurso perpetuado por ele e que muitos outros jovens aderem e reproduzem de maneira até ingênua.

Grande parte das críticas de Felipe se direciona aos produtos culturais consumidos geralmente pelo jovem escolar, de 13 a 17 anos de idade. Ele já criticou o livro Crepúsculo e as bandas coloridas, acusando esses produtos culturais de verdadeiros lixos que servem para fazer os “jovens” de “massa de manobra”. Além disso, Felipe Neto costuma perpetuar um saudosismo dizendo que na época dele o bom era Cazuza e Legião Urbana. Músicas de protesto. Não raro, muitos jovens comentam em seus vídeos coisas como “é isso aí! Esses jovens não lêem nada, só escutam porcaria”.

Quais são os problemas desse discurso “crítico” de Felipe Neto? Eu tenho a mesma idade que o vlogueiro, portanto, posso falar que esse saudosismo dele é barato. Nós nascemos em 1988. Bandas como Cazuza e Legião fizeram sucesso quando eu e ele éramos apenas moleques. Mesmo que escutássemos essas bandas, mais tarde os manonas assassinas e etc., muito provavelmente não fazíamos isso por conta do conteúdo crítico das letras, mas sim pelo momento, pelo que tínhamos acessos pelas rádios e por quem convivíamos. Mesmo assim, não podemos descartar, é claro, que as pessoas que, como nós, viveram a adolescência nos anos de 1990, vivenciaram muitos movimentos culturais de massa “idiotas”: backstreet boys, Hanson, é o Tchan... Ao perpetuar esse saudosismo falso, Felipe Neto apaga do discurso os movimentos “idiotas” que ele vivenciou e glorifica as músicas críticas que ele não entendia.

Sendo assim, porque somos tão categóricos ao condenar a “juventude” de agora pelo que eles curtem? Nós mesmos passamos por isso e crescemos. E mesmo tendo crescido, hoje, ainda dançamos funk e sertanejo universitário, cultura de massa, nas festas; o que, em conteúdo crítico, não se diferencia muito de bandas coloridas. Nem é por isso que estamos decaindo, também. Ninguém agüenta manifestações artísticas críticas cem por cento do tempo. Às vezes a melhor solução para uma semana estressante é um filme “babaca” de Holywood. Dizer que Funk e bandas coloridas não são cultura é coisa de gente sem cultura, que não sabe a definição de cultura. Essas pessoas, como Felipe Neto, acreditam que cultura é somente a “alta cultura”, de elite. Por isso têm dificuldade de compreender os jovens escolares e a si mesmos.

Outro aspecto cínico do discurso de Felipe Neto, que chamarei aqui de discurso pseudo-adulto elitista, pois não é um discurso só dele, mas de todos esses jovens de classe média-alta que falam que a “juventude está perdida”, é a questão da leitura. Ao criticar o livro Crepúsculo, esses jovens defendem que os adolescentes deveriam ler Machado de Assis. Como se eles, nós, tivéssem lido e absorvido Machado de Assis com 13 anos. Hoje eu posso me curvar á Machado, mas isso não se daria se, com 13 anos, eu não tivesse ganhado o meu primeiro livro: Harry Potter. Esse livro é uma literatura tão fraca quanto Crepúsculo, mas me iniciou o gosto pela leitura. Nesse sentido, será que adolescentes lendo Crepúsculo é tão ruim assim?

A juventude costumava ser associada à rebeldia. Hoje, o que eu vejo, são jovens passando dos dezoito anos e se tornando mais conservadores que seus pais. Além de não se considerarem jovens por se acharem “críticos”, diferente da parcela mais nova de jovens que seria supostamente alienada, esses jovens não são jovens porque não são rebeldes. Com seu conservadorismo, perpetuam um discurso autoritário onde tudo deve ser como eles ditam. Se não é, “tem que matar esses coloridos!”, “jogar uma bomba na favela!”. Eu só posso esperar que essa onda jovem-fascista, assim como a expressão “a juventude está perdida”, caduque também. Alias, tendo em vista essa parcela pseudo-adulta elitista da sociedade, talvez a juventude esteja perdida mesmo.

2 comentários:

  1. Interessante o raciocínio. Acho verdadeiro e legítimo. Tem daquelas coisas da afirmação da própria personalidade através da anulação ou ofensa aos demais tipos de personalidade, se é que personalidade é algo razoavelmente catalogável. Acredito que não seja, e desprezo o tipo de imbecil conservador que se acha superior ao resto do mundo por ter o dito gosto superior.

    No mais, discussões interessantes serão levantadas por aqui, é o que posso ver!
    Demais!!

    E bem elegante o texto, mano!

    Lerei com frequência! Avise das atualizações!

    Abrasssssss!

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  2. O que não falta são gostos "superiores", chega a esse ponto a necessidade de afirmar ser diferente.

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