sábado, 6 de novembro de 2010

A Mulher Pura

Ao estudar a análise do discurso nos deparamos com certas idéias muito interessantes. Uma delas, a que mais me chamou a atenção, é a concepção de que os significados são determinados pela ideologia e pela constituição histórica do sujeito. O que isso quer dizer em termos mais simples? Que as palavras e as coisas não significam em si mesmas, não têm significado natural ou literal.

Ora, isso explica porque certos discursos, de tanto serem repetidos, viram verdades absolutas e são “naturalizados”. Por exemplo, quando falamos no conceito de criança, logo imaginamos uma criança inocente, frágil, que necessita de cuidados e educação. Entretanto, nem sempre foi assim. A criança, muito antes do Emilio de Rousseau, era pensada como um pequeno adulto. Portanto, quem criou o conceito de criança inocente fomos nós em algum momento da história. Mesmo assim, estamos tão habituados com esse conceito de criança que achamos que ele é natural, que sempre foi assim. Aí surge a psicanálise e nos diz que a criança pode ser perversa, chocando-se com nosso conceito “natural” de criança inocente, e um novo conceito de criança surge, menos inocente. Assim segue a história.

Nesse ponto é que devemos questionar certos “conceitos naturais” que já estão ultrapassados, como o conceito de criança inocente, porque eles já não estão dando conta da realidade. Um caso emblemático nesse sentido é o conceito de “mulher pura”, da suposta superioridade da mulher que se assemelha à criança, inocente, pura, virgem e submissa. Não sei dizer quando essa idéia de “mulher pura” começou, mas ela ainda tem seus resquícios atualmente. Muitos de nós ainda sentimos, ou mesmo só reproduzimos no discurso, que mulher boa é mulher pura.

Nos dias de hoje, com as vitórias diárias das mulheres na luta pela igualdade e liberdade, pelo direito à diferença também, essa história de mulher pura já devia ter ido pro brejo, mas incrivelmente ela está aí ainda. A maior prova disso são os tipos de cobrança e expectativas que nós, homens, fazemos e temos sobre as mulheres. A essa altura do campeonato, sabemos muito bem que, assim como nós, as mulheres podem fazer sexo com vários parceiros; estarem compromissadas e, ao mesmo tempo, sentir atração por outros homens; utilizarem da manipulação na sedução; conversarem com as amigas sobre diversos homens; e finalmente, não serem submissas.

Sabemos disso. Vemos todos os dias. Contudo, não aceitamos. Continuamos insistindo, inocente e estupidamente, que mulher boa é mulher pura, mesmo que o mais perceptível na realidade não seja isso. Acreditamos que para nós, homens, tudo bem fazer tudo aquilo citado acima. Esse é o “natural”. Mas, a mulher não pode. Homem cafajeste é “natural”, assim como a mulher pura o é. Qualquer coisa que fuja disso deverá ser duramente reprimida.

Agora, não só os homens caem nessa armadilha. Por estarem no meio da sociedade da mulher pura, algumas mulheres fazem teste de pureza, colocam anéis de pureza e, quando num “rolo”, discursam para o pretendente sobre sua pureza como mulher, como se isso fosse uma grande qualidade. No fundo, o pretendente sabe que essa qualidade só é boa perante a sociedade, porque entre quatro paredes a pureza é como a cor bege, brochante.

As mulheres não puras, que vejo todos os dias, essas sim são as mulheres de verdade, superiores. Elas não se dizem produtos da ilusão ingênua da pureza.

Se tudo isso é verdade, se o conceito de mulher pura está longe de representar a realidade e, pior que isso, representa um tipo de mulher fraca, já passou da hora desse conceito cair por terra e ser “desnaturalizado”. Mulher pura não é natural, nem poderosa, nem livre e muito menos sexy.

3 comentários:

  1. hahahahah!! Gostei dessa Ti!
    Muito bom!

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  2. Fala Tiago,

    Na minha opinião a tão falada igualdade pressupõe respeito as diferenças de gêneros. Há qualidade/defeitos em ambos!

    Essa história de querer ter comportamento muito semelhante entre homens e mulheres, me cheira uma disputa por poder (ou incerteza) que não existe ou não deveria existir em relacionamentos.

    Estereótipos sempre existiram, precisamos ter cuidado para não nos prejudicar com preconceitos..

    Parabéns pelo blog.

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  3. E aí, Allan!

    Muito Obrigado.

    Esse ponto que você levantou do "respeito às diferenças" eu considero de suma importância. No primeiro esboço que fiz desse texto, eu citava a transformação da luta feminina pelo direito de igualdade em luta tbm pelo direito à diferença. Homens e mulheres são diferentes e a sociedade deve ter isso em mente para a promoção da igualdade.
    O que realmente me incomoda é esse discurso da mulher pura. Isso não quer dizer que a mulher deva ser igual ao homem, nem que deva se comportar igual, mas sim que talvez deveríamos pensar a mulher de outra forma que tenha mais afinidade com a realidade. Se não é a pureza que define a mulher como mulher, e sabemos disso, pq insistimos em qualifica-las a partir da pureza? Nos últimos anos esse discurso parece ter perdido a força (há algum tempo atrás se acreditava que mulher não gostava de sexo, e isso tem a ver com o discurso da pureza), msm assim, ele ainda é perceptível.

    Abraço

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