segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ônibus 174, Tropa de Elite e o complexo problema da violência no Brasil

Sem sombra de dúvidas, considero que Tropa de Elite foi um dos melhores filmes já produzido no Brasil. José Padilha acertou em cheio. Com o primeiro Tropa de Elite chamou a atenção e com o segundo, estourando nas bilheterias, conseguiu trazer á tona a complexidade do problema da violência no Brasil através da ficção (ou nem tão ficção assim).

Não me levem a mal quando falo isso. O primeiro Tropa de Elite foi muito bom, mas muito mal interpretado, na minha opinião. Quando o primeiro filme saiu, escutei pessoas enaltecendo o BOPE como solução para a violência, afinal, tinha “que matar tudo mesmo”. Isso sem falar de Luciano Huck, que teve seu rolex roubado e perguntou onde estava o capitão Nascimento, como se a solução para a violência no país estivesse simplesmente em ter BOPE’s por todo país. Do outro lado da moeda, também de forma equivocada, alguns chamaram Padilha de fascista, acreditando que ele estava propondo que o BOPE, não corrupto e assassino, fosse a solução para o problema. Outros trabalhos mostram que todas essas posições são equivocadas.

Tanto o documentário Ônibus 174, de Padilha, como o livro Elite da Tropa, de Luiz Eduardo Soares (antropólogo), André Baptista (BOPE) e Rodrigo Pimentel (BOPE), podem provar que essas duas interpretações do primeiro Tropa de Elite estão equivocadas. Além disso, o próprio Tropa de Elite 2 também cumpre essa função. A verdade é que o BOPE existe porque a violência no país existe de maneira brutal; mas isso não significa que o BOPE sozinho, com sua matança e torturas, seja a solução. Como nos mostrou Tropa de Elite 2, o buraco é muito mais embaixo. Não só a corrupção humana, como a corrupção estrutural, do próprio sistema, com suas contradições e rearranjos, fazem emergir a violência.

Ônibus 174, que inclusive contou com a participação dos autores de Elite da Tropa, procura reconstituir, através de depoimentos e documentos, a vida de Sandro, sequestrador de um ônibus no Rio de Janeiro. O acontecimento teve cobertura ao vivo na época e mereceu manchetes de vários jornais. A grande questão nesse sequestro era que Sandro não tinha nenhum pedido concreto e ninguém sabia suas motivações para sequestrar o ônibus. Parecia, na época, simplesmente uma pura maldade natural de Sandro, que alguns jornais e revistas da época compararam com o demônio. Mas, ao reconstituir a vida do sequestrador, descobre-se que, quando criança, Sandro viu a mãe ser esfaqueada, virou menino de rua e sofreu dessa dura realidade, dos meninos de rua como meninos invisíveis. Além disso, foi parar no instituto Padre Severino, um “depósito humano mirim”, onde, junto com outros meninos, apanhou e se revoltou mais ainda. Foi preso também.

Enquanto esses momentos da vida de Sandro vão sendo descobertos, Padilha vai mostrando a dura e brutal realidade de cada momento. Desde o que implica ser um menino de rua até a situação desumana da cadeia, que em vez de recuperar os presos, só os tornam mais revoltados e violentos. Tão tristes e violentos são esses momentos da vida de Sandro que, no final das contas, acabamos sendo compreensíveis com ele. Acabamos chegando a conclusão que a solução policial para os “Sandros” pelo Brasil é somente superficial, imediata. Para resolver o problema da violência é preciso resolver as contradições sociais e situações concretas pelas quais os “Sandros” se tornam violentos. Isso inclui a miséria, a invisibilidade dos meninos de rua, a desumanização dos institutos de recuperação e da cadeia.

Por isso tudo, o crime e a revolta por parte dos setores miseráveis, ignorados e negligenciados da sociedade chega a ser, em certo ponto, compreensível. Deve ser passível de punição, obviamente, mas antes de tudo é preciso se pensar em resolver a violência que emerge dessas situações negligenciadas não com mais opressão, mas sim resolvendo-se as próprias situações. A polícia, sendo uma função necessária para a sociedade, precisa ser mais valorizada. Outro problema é quando a corrupção e o crime são praticados por setores não miseráveis que acabam, além de tudo, sustentando e financiando ainda mais o crime, como os políticos corruptos e a classe média financiadora do tráfico. A própria banda podre da polícia, com o tráfico de armas e as milícias, no Rio de Janeiro, é um grande problema. Como disse Cap. Nascimento: “O que me fode é quem tem oportunidade e entra pra essa vida”.

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