sábado, 26 de fevereiro de 2011

O BBB para além do jogo

Todos têm o direito de gostar ou desgostar do BBB. Entretanto, algumas vezes, os argumentos daqueles que não gostam do BBB demonstram certa insensibilidade para com o cotidiano. Não sou muito fã dos colunistas da Folha de S. Paulo, mas um conflito estabelecido entre um texto de Renato Kramer e o comentário de um leitor trouxe a tona algo interessante para se discutir. Kramer, em seu texto, falava do peso que Daniel, participante do programa, estaria sentindo ao exercer sua liderança no jogo. Daniel teria que selecionar alguém para ir ao paredão e estava preocupado com as implicações de sua escolha. Nisso, um leitor rebate algo mais ou menos nesse sentido: “Peso do que? Aquilo é um jogo. A pessoa escolhe e pronto”. O que Daniel estaria demonstrando, nesse sentido, seria um grande teatrinho e, por ter insultado Kramer, o leitor teve seu comentário posteriormente removido.

Considero insensível o argumento do leitor pois ele parece derivar de um outro argumento que, não raro, aqueles que não gostam do BBB utilizam para justificar seu gosto. É o argumento do “aquilo é só um jogo e as pessoas ficam fazendo cena, no fundo é só jogo mesmo. Todo mundo é falso”. Deixando de lado as hipóteses de que o BBB é um programa de cartas marcadas, ou tudo armado, e refletindo sobre o que podemos ver nele, discordo desse tipo de opinião. Penso que a grande graça (no sentido de que há um conflito interessante ali dentro) do BBB é justamente ser, quase que contraditoriamente, um “jogo de convivência”. É um jogo onde o vencedor é um só, mas para vencer, ele precisa conviver com seus oponentes. E o que isso implica?

Um dos grandes passos do Marx filósofo foram as noções de fetichismo e reificação. O que é isso? Marx dizia que o mercado operava de uma maneira intrigante: fazia com que tomássemos o vivo pelo morto e vice-versa. Sendo assim, o fetichismo é quando tomamos um objeto, morto, e o vivificamos. É quando a calça jeans que tanto desejamos comprar conversa com nós, dizendo-nos, da vitrine, que temos que emagrecer para ir lá busca-la. As mercadorias ganham vida, se transformam em sujeitos, com vontade própria. Por outro lado, a reificação é quando tomamos o que é vivo pelos seus aspectos mortos. É quando tratamos algo que é vivo como mero objeto. Nesse ponto percebemos porque há tanta carga negativa quando se fala em manipular as pessoas. Ora, pessoas são seres vivos, sujeitos. Sendo assim, manipula-las seria trata-las somente como objeto, não reconhecendo suas vontades e liberdade para agir. O que tudo isso tem a ver com o BBB? Tudo a ver.

Partindo-se do pressuposto de que o BBB é um jogo, todos deveriam entrar na casa com a ideia de reificar todos os outros participantes. Ou seja, transforma-los em peças do tabuleiro, em objetos, manipuláveis. Com o objetivo de ganhar, o grande jogador objetificaria todos ali dentro, afinal, é “somente” um jogo. Entretanto, o BBB não é como um jogo de xadrez. Ali, as peças não são de madeira, mas sim pessoas, sujeitos. Isso significa dizer que, na convivência, amizades e outros tipos de amores surgirão e, aí, a reificação está ameaçada. Ora, não existe amizade e nem amor que não tenha como pressuposto o reconhecimento do outro como sujeito, como fim em si mesmo, e não só como meio para nossas vontades. A amizade surgida da convivência implica que alguns participantes reconheçam outros participantes (seus potenciais oponentes) não mais como meras peças de tabuleiros, mas como seres humanos.

Sendo assim, o peso da decisão de Daniel, ao exercer sua liderança no jogo, pode não se configurar como um teatrinho, muito menos somente como um medo de ser eliminado caso tome uma decisão errada. Uma decisão errada pode implicar não só numa futura eliminação como também na ruina da boa convivência e, nesse grande caldeirão humano, demasiado humano, causar a infelicidade daqueles que já não queremos que sejam somente peões de madeira.

2 comentários:

  1. Meu Caro Tiago,
    É realmente interessante tratar de assuntos que, além dos falatórios óbvios de prós e contras, podem ser observados sob um enfoque mais sério, fazendo uso de teorias e métodos de análise estabelecidos por outros pensadores em outros tempos, que raramente são conhecidos do grande público. Neste aspecto, seu blog cumpre o papel de desbanalizar certos assuntos.
    Em se tratando do BBB, acho que o que menos importa é realmente o comportamento das pessoas lá dentro. Que Chamem de "grande experimento psicológico" ou qualquer outro eufemismo midiático. No fim das contas o Xadrez é com todos: produtores (também podemos chamar "lucradores"), apresentadores, jogadores e telespectadores (casualmente também podemos usar o termo "consumidores"). O BBB é um imenso produto, que só continua porque existe quem o consuma. De verdade, eu sinto um pouco de raiva pelos criadores terem desvirtuado o termo "Grande Irmão" (que é bem distinto na acepção de George Orwell, em "1984").
    O Jogada triunfal é dos produtores com aqueles que assistem e ligam nos paredões. Não há isenção na "seleção" das imagens que vêm ao grande público. Eles escolhem muito bem e existe uma razão para isso. Eles sabem, mais ou menos, como o público se comporta: gostam de ver sexo e Light pornography, contendas e intrigas, a luta pela sobrevivência e o gran finale com prêmio em dinheiro e alguns meses de fama ao sobrevivente.
    É quase a mesma fórmula das telenovelas: prender o público com a velha história sobre a natureza humana.
    O final feliz é para todos, produtores mais ricos e telespectadores ansiosos por mais uma temporada de entretenimento fugaz e inútil.

    A liberdade individual sempre estará no controle remoto.
    A servidão coletiva está no controle, que remotamente fazem com o público. Distraindo do essencial, entretendo os olhos com imagens e lágrimas e as cabeças com um imenso vazio.


    Continue com suas reflexões.
    Abraço!

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  2. Fala, Mauri!
    Me deixa muito feliz ter um comentário assim por aqui.
    Bom, eu vou apenas pincelar umas coisas. Vai ficar meio jogado, mesmo hahaha Apesar do que você chamou de "eufemismos mídiaticos", eu não creio que isso desqualifique o BBB como uma experiência, pelo menos no quesito de que, de certa forma, aquilo é um grande espelho. Mas não é disso que quero tratar aqui. Eu, por exemplo, gosto do BBB porque me diverte. Nada tem a ver com aprendizado, com "laboratório de nós mesmos" e etc. O entretenimento tem dessas: não precisa cumprir uma finalidade crítica ou social (por mais que seja interessante que alguns tentem isso).
    Quanto à isenção de imagens, na realidade NUNCA há isenção de imagens. Pense bem. Seria impossível para os produtores do BBB serem isentos. Até mesmo pelo posicionamento das cameras não se é isento. Neutralidade de imagem não existe, pelo menos é isso que se vem apontando nas teorias da comunicação. Mesmo ao vivo, não existe isenção. E, claro, o BBB não deixa de ser uma grande novela. Tem que ter alguma narrativa ali. Mas, porque tudo isso é apontado como ruim? Porque isso, necessariamente, leva à conclusão de que nos manipulam e deixam nossas cabeças vazias? Em suma, qual é o problema que nós, aspirantes a intelectuais, temos contra o entretenimento? É de se pensar. É de se pensar qual filosofia de fundo nos move para essas relações que fazemos entre o entretenimento e os males da sociedade, e tentar pensar o mesmo problema sobre outras perspectivas. O próprio marxismo,com a noção de ideologia, daria pano pra manga para a mais dura crítica de Adorno contra a "Indústria Cultural". Mas a coisa não para em Frankfurt. Adorno recebeu muitas críticas que podem nos ajudar a repensar as marteladas que damos contra a TV, por exemplo. Será que, ao invés de condenar nosso entretenimento, nós não deveríamos arrumar a nossa educação e dar a liberdade para aquele que gosta do "entretenimento inutil (será mesmo inutil?) e fugaz" curtir seu BBB?

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