domingo, 26 de maio de 2013

As mulheres e os botões da camisa



Existe uma particularidade nas roupas femininas, algo simples, mas que acaba passando despercebida por muita gente: os botões ficam no lado esquerdo de quem veste, o inverso das roupas masculinas. 


O motivo? Aprendemos pela história. Há alguns séculos atrás, as mulheres não se vestiam sozinhas. Quem as vestia eram as servas e, por isso, para tornar o abotoamento mais fácil na perspectiva de quem veste o outro, os alfaiates “invertiam” o lado dos botões.

A relação de servidão, aqui, se destaca com a serva; mas gostaria de enfatizar também a particular servidão da mulher nobre. Afinal, a serva, apesar de abotoar sua senhora, ao menos tinha a autonomia de se vestir sozinha, já a nobre senhora não.

A servidão da primeira é de um tipo, pois ela tem que abotoar a camisa do outro, mas, estando sozinha, consegue se vestir; já a servidão da segunda é de outro, pois, sem serva, não consegue se vestir sozinha, não tem autonomia e, então, é serva das circunstâncias: sem os outros para lhe vestir, ficará pelada.

Por isso, acredito que a inversão dos botões é uma marca da servidão num sentido amplo: a relação de servidão, aqui, dá à serva a escravidão diante da sua senhora, e a escravidão da senhora diante de si mesma, dado a sua impotência perante o mundo.

Pensando sobre tudo isso, criei a hipótese (fictícia, mas bela ao meu ver) de que uma das rupturas históricas em prol da liberdade da mulher foi quando a primeira serva resolveu não abotoar sua senhora; e a sua senhora, por sua vez, aprendeu, mesmo que bom o botão invertido, a se vestir sozinha. Deve ter sido numa fatídica manhã de domingo no século XVII. Por uma contingência qualquer, num alvorecer de ressaca pós-baile de máscaras, isso se deu: um magnífico caso de dupla ruptura, onde tanto serva como senhora se viram, ao menos momentaneamente, livres.

Hoje, claro, as mulheres não possuem mais servas que as vistam (ao menos a maioria), e os botões continuam do mesmo lado que estavam no século XVII, ainda que seja “menos ergonômico” desse jeito. Alguns de nós, homens, podemos até brincar que assim fica mais fácil de despi-las (mesmo que o sutiã continue a ser uma espécie de sudoku para alguns principiantes!). 

Mas, brincadeiras à parte, mesmo com a falta de ergonomia e dispensando-se a servidão, as mulheres, hoje, se vestem a si mesmas com orgulho, pois conquistaram essa autonomia: não precisam vestir outras mulheres como servas e, ao mesmo tempo, sabem vestir a si mesmas.

Essa luta, das mulheres, tem muitos botões pra contar.

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