sexta-feira, 31 de maio de 2013

O Estranho Caso do Menino Marcelo

Neste fim de semana, minha irmã contou-me um estranho fato o qual presenciou e que irei narrar aqui. Para ser sincero, não narrarei o fato em si, mas sim uma ficção que eu mesmo criei sobre ele, só porque assim acho mais bonito. Fica mais literário. Decidi antes contar uma estória baseada em fatos reais, do que a história dos fatos reais, seja lá o que isso signifique. Fi-lo por puro capricho.

Contarei aqui o estranho caso do menino Marcelo; nome também fictício e dado por capricho. Não poderia ser diferente. Aliás, esse nome escolhido por mim não tem nenhum significado especial; apenas foi o primeiro que me surgiu à cabeça. Talvez no inconsciente se encontre um esquisito enredo para essa minha escolha, mas como não quero mais cansar o leitor com tantas delongas, vamos em frente.

Marcelo tinha 15 anos e era um típico garoto de classe-média alta do interior do Paraná: ambicioso e um pouco ingênuo (conheço bem essa estranha mistura, dado que, como ele, também sou do interior). Nascido e criado na cidade de Pitangueiras, o garoto foi fruto de uma estranha mistura da moral do campo com o amoral (não imoral!) universo online, das novas tecnologias. 

Por isso, mesmo que Marcelo tivesse um íntimo contato com o “mundão lá fora” através da internet, ainda preservava alguns valores da boa e velha tradição. Meio que romântico, não acreditava no caos, essa mesquinharia soberba das grandes cidades; acreditava mesmo era no destino. Particularmente, acreditava na relação entre o destino e o amor; que de alguma forma as forças do tempo eram românticas e trabalhavam para que nós nos encontremos com nossas almas gêmeas. Mal sabia ele que justamente esses dois deuses, o amor e o tempo, em forma de destino, viriam, mais tarde, lhe passar a perna.

É que o adolescente Marcelo, sabe-se lá por quais contingências históricas, se tornou uma celebridade do Instagram (tenho uma teoria da contingente construção das famas nas redes sociais, mas que fica para uma próxima oportunidade). Foi na sua fama que o garoto conheceu Daniela (outro nome escolhido sob o critério caótico do meu inconsciente), menina muito formosa, do Rio grande do sul, 15 anos também. Ela era uma celebridade virtual, como ele. 

Tomando a iniciativa, certo de que o destino teceria seu enredo romântico, não demorou para que Marcelo começasse um relacionamento online com Daniela. Flechado por Eros no contrapé, o piá ficou enfermo de paixão, se me perdoem o pleonasmo. E por seis meses, Daniela e Marcelo namoraram de tecla em tecla, de clique em clique. Alguns amigos preocupados lhe questionaram se ele tinha certeza de que aquele romance era verdadeiro, questionaram até mesmo se Daniela existia. Lúcido e clarividente na medida do possível para um apaixonado, o garoto os respondia: “parem com isso, eu já vi ela em vídeo. A gente se fala por telefone todo dia!”. Convencidos momentaneamente, seus amigos, então, davam de ombros e mudavam de assunto.

Tudo corria muito bem na vida do nosso protagonista, até que um dia, como de costume para a família do jovem paranaense, ele foi passar uns dias em Curitiba. Já na cidade, fez o de sempre: passear no shopping com alguns amigos da capital, praxe para nós, meninos do interior. Bastaram apenas algumas voltas entre as vitrines quando, chegando à praça de alimentação, avistou uma loirinha muito peculiar. Parecia Daniela. E como quem belisca um pedaço de bolo apenas para depois repetir a beliscada, resolveu dar uma segunda olhadela, de longe, e percebeu que a guria parecia muito com sua amada, mais do que ele imaginava num primeiro momento. 

Borboletas começaram a voar em seu estômago e, então, ele resolveu checar mais de perto: a partir daquele momento, a extrema semelhança da garota com sua namorada começou a lhe parecer até estranha. Depois de alguns instantes, passou até mesmo a reconhecer que se aquela garota não era sua namorada virtual, então só podia ser um clone, uma irmã gêmea perdida. Talvez o destino as tivesse separado ainda no berço, e seria ele a encontra-la, vai saber...

Perguntou aos seus amigos se eles tinham a mesma impressão, de que aquela menina era muito parecida com Daniela, e todos disseram que sim. Com essa checagem final, que mais lhe soou como um aval, já suando frio e com tremores nas mãos, ele resolveu se aproximar. Aquela poderia ser a própria Daniela, seu amor nunca visto presencialmente. Apesar do nervosismo, uma felicidade imensa tomou conta dele: era, mais uma vez, o deus tempo com o cajado do destino lhe sorrindo. Encontrar seu amor ali, num passeio ao acaso em Curitiba? Que história, que romance!

Aproximou-se, então, da menina e de seu grupo de amigas e perguntou, meio sem jeito: “Daniela?”. A menina não respondeu, parecia nem ter ouvido. Então ele insistiu “Você se chama Daniela, não é mesmo?”. A menina fez cara de estranhamento e se recolheu um pouco. Parecia com medo. Uma amiga dela então respondeu: “Não, o nome dela é Bruna”. 

“Como assim”, perguntou Marcelo, já meio atordoado com aquela pancada em forma de resposta. “Seu nome é Daniela, você tem 15 anos. Tenho aqui suas fotos, seus vídeos, no meu celular... Nós namoramos há seis meses”, insistiu. Então, a amiga da garota, já boquiaberta, pegou o celular de suas mãos trêmulas, olhou, e lhe respondeu: “Essas realmente são as fotos e os vídeos dela, mas o nome dela não é Daniela, é Bruna. Ela tem 12 anos”. Ele não podia acreditar. Deu mais uma olhada na menina recolhida de medo, sua suposta namorada, e ficou sem palavras por alguns segundos.

Foi então que, como uma cortina que se abre de manhã num dia de chuva, onde se vê a luz, mas a estética lá fora decepciona, Marcelo, de um só golpe, numa lógica abdutiva, entendeu tudo: Daniela não existia, ao menos não fora da internet; era apenas um fake, apenas outra garota que, sabe-se lá por qual motivo, roubou a identidade dessa recolhida e assustada menina de 12 anos que estava na sua frente agora. 

Como pode? Seis meses conhecendo uma pessoa, se relacionando amorosamente com ela, para no final descobrir que ela nunca existiu? Se bem que esse fenômeno, o de amar uma pessoa que, enfim, se descobre que nunca existiu, não é bem uma particularidade da internet, mas sim da vida.

Contudo, pensando no que o destino havia lhe reservado agora, Marcelo não conteve as lágrimas e chorou ali mesmo, na frente de seus amigos e da ideia de sua ilusória namorada, que esvaneceu. Não podia mais acreditar no romântico tempo com seu cajado do destino, mas, ao mesmo tempo, não podia acreditar no caos, visto que tudo isso, esse particular arranjo de ocorrências, era estranho demais para ser apenas uma coincidência. Encontrar em Curitiba a garota que inspirou a identidade de sua namorada fake, que vivia no Rio Grande do Sul, era demais pra ele. O pior de tudo era ver ela ali, mas não ser ela; ser apenas uma menina de 12 anos assustada. 

Ficou bravo com o tempo e queria deixar de acreditar no destino, mas não podia.  Deveria continuar acreditando no cajado do destino que, por um tortuoso caminho, se mostrou não como destino romântico, mas sim como destino trágico. Seria um caos arrumadinho demais para engolir.

Vai saber, às vezes é preferível a incerteza do acaso às garras certeiras do destino; principalmente se esse tem um péssimo senso de humor. Édipo soube disso como ninguém! Ah, Marcelo, Marcelo... que estranho (a)caso esse seu!

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